“Eu e Você” um olhar otimista

Em filme sobre as armadilhas da sociedade burguesa, cineasta italiano Bernardo Bertolucci opõe dois irmãos para discutir impasses e saídas da juventude atual

Numa inversão da busca de agitação e descobertas, adolescente decide enfurnar-se no subsolo de seu prédio para ler, ouvir rock e consumir comida ligeira. Nesta fábula moderna, o cineasta italiano Bernardo Bertolucci volta a um de seus temas: o indivíduo em fuga de uma sociedade que não o estimula a conviver com o outro, se não através de conflito (“O Último Tango em Paris”, 1972. Neste “Eu e Você”, o introspectivo Lorenzo (Jacopo Olmo Antinori) e Olívia (Tea Falco), sua meia-irmã em crise, se confrontam e se revelam.

No entanto, esta forçada convivência opõe universos contrastantes: o do adolescente de 14 anos, querendo ter um canto onde possa fazer o que gosta, e o da jovem fotografa, prisioneira das drogas (heroína), tentando escapar às armadilhas da sociedade atual. Ela é um ser em frangalhos, lutando para reerguer-se, porém definhando diante do irmão, que, sem condições de socorrê-la, submete-se às exigências dela a contragosto. Uma realidade totalmente fora de seu cotidiano, supostamente sob controle.

Justo ele, cujo plano era fugir à agitação da escola e do controle da mãe Ariana (Sonia Bergamasco). E fecha-se no porão de seu prédio, desfrutando seu mundo particular, lendo histórias do vampiro, consumindo atum em lata e refrigerante, sem intromissão do que o oprime. Revela o cansaço de segmento da juventude que, mesmo bombardeada por regras e códigos, quer construir sua própria realidade. Enquanto, seu reverso, Olívia, foi tragada para o redemoinho do hedonismo, do prazer fugaz e da compulsiva dependência.

Sociedade atual cria consumidor e consumido

Apressadamente pode-se vê-los como vértices do mesmo problema. Porém, com esta dialética, Bertolucci enseja outra reflexão. Ambos são vítimas do acelerado ritmo consumista, de produto e de vida. A sociedade burguesa impõe à juventude e, portanto, às camadas médias e ao proletariado, a rapidez das tarefas/trabalho, consumindo alimentos de rápido preparo e expectativas de vida inalcançáveis. Numa invisível cadeia de produção a sustentar um estilo de vida incessível à maioria. E cria, assim, a dupla condição de consumidor e consumido.

Esta é o impasse em que se encontram Lorenzo e Olívia. Um foge à opressão freudiana (família/escola), o outro às facilidades do prazer, que vicia, criando dependência. Eles se criticam mutuamente, expondo os defeitos um do outro. O dela escancarado, o dele supostamente menos pernicioso. Até ela cansar e lhe dizer: “Não devia comer isto, é melhor comida saudável (citação não literal)”. E empreendem uma invasão da geladeira do apartamento de Alina e voltam ao porão sortidos. Ao mesmo tempo, ele insiste com ela para se reerguer e sair do vício.

No entanto, eles são criaturas da sociedade burguesa em crise político-ideológico, cujos valores se esboroaram. E se refugiam num porão onde estão móveis, roupas, utensílios domésticos e vestígios de uma classe há muito em extinção: a nobreza e seus descendentes. Eles transitam pelo espaço abarrotado, de velharias, com Olívia valendo-se das roupas da falecida condessa Nunziante, num instante de apuros. Esta convivência entre distintos momentos históricos permeia a obra de Bertolucci (“Novecento”, 1976), ou seja, o novo vindo de velho.

Bertolucci foge ao ritmo de passagem

O velho aqui é o que está entranhado nos dois jovens. Um estilo de vida que lhes é imposto pela propaganda burguesa em seus bombardeios na mídia, nas escolas, no trabalho, nas ruas, como algo ao qual devem aderir para sobreviver. Eles poderão livrar-se dele criando novas códigos, novas estruturas político-ideológicas, novos sistemas econômicos-sociais. E não se trata de rito de passagem, para se acomodar adiante, sem revolucionar as carcomidas estruturas burguesas. Bertolucci foge deste clichê. O amadurecer de Lorenzo e Olívia é mais o de criar seus próprios caminhos, não de sucumbir ao status quo.

Numa aparente contradição, os choques entre Lorenzo e Olívia não desandam em comiseração. Bertolucci permeia o filme, como em “Os Sonhadores”, 2003), de esperança. Olívia está sempre falando no jovem que a espera, na vida que pretende construir com ele. Terá apenas que se livrar do vício da heroína. Esta é a condição que se autoimpõe. Ela sofre recaídas, retoma seu objetivo, às vezes com serenidade, às vezes aos berros de dor. E mesmo Lorenzo, com seu propensão à mentira e ao alheamento, vê isto nela.

Sem dúvida, o desfecho deste “Eu e Você”, agora em DVD, foge ao que dele se espera. Ou seja, de impacto que imponha a visão de Lorenzo ou de Olivia, ou deixe em aberto a queda de um ou outro. Pelo contrário, Bertolucci encerra o filme com otimismo. Congela a imagem da face de um Lorenzo sorridente, de bem com suas próprias descobertas. Nenhum rito de passagem perpassou seu comportamento, ele tão só trocou com a irmã experiências e aprendeu que é possível, como ela fez, reconstruir seu percurso.

“Eu e Você”. (“Io e Te”). Drama. Itália. 2012. 100 minutos. Montagem: Jacopo Quadri. Música: Franco Piersanti. Fotografia: Fabio Cianchetti. Roteiro: Niccolò Ammaniti, Umberto Contarello, Francesca Marciano, Bernardo Bertolucci, baseado na obra homônima de Niccolò Ammaniti. Direção: Bernardo Bertolucci. Elenco: Jacopo Olmo Antinori, Tea Falco, Sonia Bergamasco, Verônica Lazar.

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