Algumas palavras sobre cultura e política (parte 7)

Se para alguns as manifestações de junho começaram com as lutas pelos transportes que vêm ocorrendo faz tempo, como bem lembrou Ortellado ao citar “A Revolta do Buzu” (Salvador, 2003) e (Florianópolis, 2004/2005).

O crescimento das forças agenciadoras de discursos opressores vem se expressando em sua ação muito antes dos manifestantes, sendo responsáveis por levantes dos mais variados, demostrando que nem só de “catraca” surgem nas massas a indignação, ainda que para o inflamado junho de 2013 o mote tenha sido apenas 0,20 centavos.

A mão que retira o direito, que oprime, é mais agenciadora das massas, do que os movimentos que apenas reagem.

Antes mesmo das catracas queimadas, as massas já tinham demonstrado de diversas formas desprezo que sentem pela política. Algo que impede a construção de qualquer hegemonia entre partidos e sociedade civil, cada vez mais distantes uns dos outros. Mas este descredito não é apenas da política, pois a imagem da sociedade civil, em especial das “multidões”, aqueles que “marcham”, foi tão atacada pela imprensa, que também saiu manchada pós primavera.

As passeatas que seriam positivas foram marcadas pela “ação direta” dos mascarados que resultou em violência, que não ocorreu apenas por serem algumas “planejadas” por “quadrilhas das redes sociais”, formadas por “esquerda caviar”, como querem vender os jornais, emissoras de TV peçonhentos e juízes xenófobos. Não vamos tampar o sol com a peneira. Não existem inocentes no espectro político.

Podem ser considerados atos “não violentos” e inexpressivos, como sugeriu Ortellado (2014)? Ao contrário, pois a quebra de patrimônio público e privado são considerados atos graves em uma sociedade capitalista. Portanto, indiferente do que pretendem Black Blocs, ou dos panos quentes que tenham tentado colocar sobre a ação, subestimam o conservadorismo da mídia e do espectador que já julgou a todos preventivamente.

Se a ação popular, requer um agenciador, a violência policial não veio de graça, essa sim foi mais planejada do que a das muitas vozes descontentes. Como me disse “Eva” uma testemunha que morava próximo da Praça Roosevelt, que viu a garotada apanhando desde a segunda manifestação: “aquilo me deixou indignada, afinal dali eu tinha uma visão boa da Augusta, da praça e da Martins Fontes. E pude ver a PM armando emboscada, não deixando os meninos irem embora… tacando bomba a esmo…”

Como é amplamente relatado, os levantes se ampliaram em resposta das massas à ação de Estado “policialesco” (BH, POA, RJ, SP) ao estilo germânico do século 19. Com policiais militares despreparadas e comandados por governadores de oposição ao Governo Federal, que soltaram bombas em multidões cercadas e indefesas, que apenas gritavam ensaiadamente “Sem violência” (o grito da cartilha de Gene Sharp). E assim seguiu pacificamente o grupo (em meio a ação direta de poucos), mas ai veio a segunda manifestação, a terceira e uns poucos protestando e apanhando, mas na quarta as multidões (não só black blocs) já tinham molotovs, máscaras e vinagre em mãos.

Custou para a opinião pública entender que policial que bate em manifestante é funcionário público Estadual. Onde ocorreram os casos concentrados de violência (BH, POA, RJ, SP) não ao acaso foram os espaços da repressão aos manifestantes, mas também de prisões desnecessárias. Muito mais do que as 23 relatadas no Rio de Janeiro às vésperas da final da Copa, mas centenas ao longo de um ano por todo o Brasil.

Diante das prisões arbitrarias na véspera da final da Copa do Mundo, após a operação policial denominada Firewall (coordenada pela polícia MP do Estado do Rio de Janeiro), a resposta dos deputados dos partidos aliados do governo foi bem vinda (ações, cartas em apoio aos manifestantes), mas talvez tenha sido uma ajuda tardia (ou não reconhecida). Pois os movimentos de extrema-esquerda e anarquistas interpretaram as prisões como quebra do regime democrático de direito por parte do governo federal. Imediatamente lançaram a campanha #LibertemNossosPresosPolíticos. Presos políticos de quem? Aécio? Barbosa? Dilma? Cabral? Alckimin? Pezão? Renata? Quem quer levar essa pecha? A esquerda de oposição ao governo (PSOL, PSTU), bem como a direita (DEM, PPS, PSDB), acusam a existência de uma Ditadura do PT (Cf. O Cafezinho, 2014). Fatos apoiados por colunistas “azedos…” da direita linchadora (Cf. Parte 2 desta série).

Outros opinam sobre o clima político no Brasil: Célio Turino (Na Revista Fórum) cita a importância da portaria que dá “Garantia da Lei e da Ordem”, aprovada em janeiro último como sinal do avanço do clima conservador e anti-democrático; Raphael Tsavkko vem culpando o governo e mais especificamente o PT em seu blog The Angry Brazilian (afinado com a linha do The Angry Arab), tendo levantado a hipótese de que existe medo da perda do PT nas eleições como razões dos questionamento das manifestações. Como se fosse possível resumir tudo em apenas a polaridade “PT x PSDB”; enquanto Renato Rovai (Revista Fórum) aponta diretamente que os presos políticos são da conta do PSDB.

Bruno Cava (Quadrado dos Loucos) e depois Pablo Ortellado (ao mudar de opinião) apropriam-se parcialmente de Agamben, ao apresentarem explicações de que o que vem ocorrendo é uma fratura na democracia, e a ampliação do autoritarismo dentro do regime jurídico que passa a aceitar medida de exceção como regra.

Se em um primeiro momento, a grande mídia apontou para a Presidente Dilma alegando culpa nas prisões, depois associando as arbitrariedades às redes de ligações entre MP, justiça, delegados e políticos do RJ, outros convenceram-se, na mídia alternativa, de que se tratava de uma ação da direita articulada localmente, para outros ainda há uma mescla entre assuntos internos e política internacional (como sempre foi, Cf. Conversa Afiada, 2013).

A ação evidentemente política não tem como mandante nem governo, nem forças da direita, mas todos os envolvidos tem uma parcela de responsabilidade em outro processo ainda mais perverso, que é a radicalização dos processos opressores, destituintes dos direitos humanos, constituição e regime democrático, que ocorrem no seio da sociedade doente, que não apenas permite, mas apoia a repressão e violência contra a sociedade civil. A criminalização da opinião, da diferença, das manifestações e da cidadania é estrutural.

Diversos poderes estariam agindo em conjunto “criando muitos dos fatos” observados. A manipulação das massas que ocorre segundo CHOMSKY, através da capacidade destas forças em "Criar problemas e depois oferecer soluções", no geral violentas, acabam legitimadas pela coletividade, que assustada não sente a “gradação” e avanço do autoritarismo do Estado.
Medidas tidas por opressoras foram se multiplicando em curto espaço de tempo: artigos de estado de exceção dentro da lei geral da COPA; veto a reforma política; leis de democratização da comunicação, cultura, direitos humanos barradas; ameaças aos direitos humanos e diversidade, na tentativa da bancada evangélica de impor leis como cura gay, instituto do nascituro; aprovação da lei da ordem social, dando poderes ao exército de observar e controlar os movimentos sociais.

Uma clara competição de forças internas dentro do Estado e da democracia, que significam mais do que a hegemonia de alguma parte sobre as outras, mas de que no delicado equilíbrio existente, todas as forças estariam sendo empurradas rumo ao enrijecimento do Estado e da ampliação do conservadorismo. O aumento das forças repressoras, do pensamento conservador nas redes, pode ser sinal também do aumento desse eleitorado.

A razão desta ampliação, pode ter origem em outro fator, refere-se a forma/mercadoria da espiritualidade adotada no Brasil, que tem passado nas últimas quatro décadas pela modificação da condição social, econômica, que combinam a ampliação dos centros urbanos com novas formas de produção material e espiritual (Marx, 1848). Hoje a bancada evangélica supera 25 % do congresso, e começa a tornar a política refém de um visão de mundo, que age em detrimento de outras.

Portanto, quando são ecoados gritos de manifestantes e articulistas, que brandão, que o Estado estaria implantando um regime de Exceção no Brasil, teríamos que nos perguntar, quem tem força de fazer isso? Se não estamos diante de forças apenas internacionais (pois estamos), mas nacionalmente, como elas poderiam agir, no sentido de se impor? Seria mesmo uma imposição? Ou uma acordo?

Correntes da ciência política, ao explicarem a deformação do espectro político eleitoral, acreditam que entre a esquerda e direita, existem eleitores relativamente neutros. Mas diante da decorrência da condição de polarização, e de um avanço de um dos determinados lados no tabuleiro político, o outro procurará ajustes na “agenda” para compensar a perda de eleitorado. (Glauco Peres da Silva. 30 de julho de 2014).

O avanço das forças opressoras, requer posicionamento e apoios que permitam isso. A força da opressão dos grupos conservadores no Brasil, não seriam fruto do avanço do eleitorado conservador? E em resposta o Governo, não tendo outra alternativa para se manter no poder (ou para a existência da ordem), não estariam assumindo posição mais conservadora no espectro político?

Essas especulações em série, nos levam a outras (que logo vão ser expostas em detalhes, para que surjam novas dúvidas), como por exemplo, quem articulou contra o governo? Quem articulou contras as multidões? Quem articula contra democracia? E quem anarquizando, procurou como Chico Science acreditar que “me organizando posso desorganizar (…) desorganizando posso me organizar”?
(continua)

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