“O Grande Hotel Budapeste”

Presente de grego. Filme do cineasta estadunidense Wes Anderson passeia por vários gêneros para reciclar velhos gêneros e matizar a decadência da burguesia europeia.

Não espere lógica e realismo no cinema do cineasta estadunidense Wes Anderson (1969). E não só isto. Ele gosta de transitar por vários gêneros, intercalando personagens que, aparentemente, não interferem no principal fio narrativo. Usa isto muitas vezes para provocar riso ou dilatar o suspense. Podemos estar ou não, como em A Vida Marinha Com Steve Zissou” (2004), num filme de espionagem, com sequências aquáticas, e, de repente, em meio ao tiroteio surgirem desconectadas discussões entre os personagens.

Não é de estranhar que neste “O Grande Hotel Budapeste”, livremente inspirado em obra do escritor austríaco Stefan Zweig (1881/1942), ele repita este estilo narrativo. Vai de um gênero ao outro, do romance ao drama, da comédia à aventura, sintetizados em perseguições em trens, castelos, geleiras e túneis. Mas o melhor do filme não é esta fieira de esquetes, sequências e entrechos, mas ele dotá-la de ritmo de desenho animado, com atores assemelhando-se a bonecos hiper-humanos, numa dualidade supostamente maniqueísta.

O mal é absolutamente mal, porém o bem é ambíguo, como os anti-heróis. Assim, Jopling (Willem Dafoe) é o vampiro de uma Transilvânia pouco “dark”, enquanto seu patrão Dimitri (Adrien Brody) é maligno e vaidoso, em seus escuros trajes fashion. Entretanto é Mr. Gustave (Ralph Fiennes) que, sob a aparência de cavalheiro, revela-se extremamente exigente e Don Juan de frágeis velhinhas milionárias. Só escapa o aparvalhado Mustafa (Tony Revolori), seu parceiro de aventura, que namora a bela arrumadeira Agatha (Saoirse Ronan).

Zero é reflexo da submissão

Mesmo Anderson tendo optado pela aventura, mesclando gêneros, seu filme demarca bem o tema central: a relação Mr. Gustave/Mustafa, e as três subtramas: I – a procura do tesouro: o quadro valioso; II – o conflito com os herdeiros da idosa milionária Madame D (Tilda Swinton); III – a relação de Mustafa com Agatha. Dá para o espectador apreender sentidos, intenções e conteúdo. Principalmente ao pôr Mr. Gustave e Mustafa enfrentando tropas nazistas durante sua epopeia. Estas sequências são mais Zweig, que exilou-se nos anos 30 no Brasil, onde faleceu, pois o austríaco sabia o que dizia.

Estas invertidas matizações num filme que não se pretende sátira, pois visa ser a história da amizade de um gerente de hotel dos anos trinta, Gustave, e seu mensageiro, Mustafa, guarda muito do velhos filmes colonialistas da época (“Guga Din”, George Stevens, 1939). Musfata é a recreação atual do imigrante árabe, num país que o trata justamente como “Zero”, que deve a tudo aprender, para manter o emprego, submetendo-se a morar num quarto que mais parece um banheiro de avião. Assim o idoso Mustafa (Murray F. Abraham) ao contar a amizade deles a recria em ritmo vertiginoso, mais parecendo fantasia, que o real.

Nestas suas prodigiosas memorias, Mustafa permite a Anderson valer-se da disputa pelo mapa do tesouro, o ouro, a joia, tão caros aos filmes policiais, aventuras (“Os Caçadores da Arca Perdida”, Steven Spielberg, 1981) e às comédias ligeiras (“Deu a Louca No Mundo”, Stanley Kramer, 1963), transformando-os no valioso quadro, cobiçado por Gustave e Dimitri. E, de novo, ele, Anderson, tricota por vários gêneros sem recriá-los à Quentin Tarantino (“Django Livre”, 20012), embora se deleite com clichês. Cenas da inabilidade de Gustave e Mustafa para escapar da prisão cavando um túnel com outros fugitivos.

Zweig tende ao melancólico

No entanto, sob esta capa de brincadeiras e estereótipos, Anderson não demonstra ter a intenção de ver os entre guerras mundiais (1914/1918 e 1939/1945) com nostalgia. O Grande Hotel Budapeste, encravado numa montanha, antes acessível apenas à alta burguesia e à velha nobreza europeia, perdeu seus notáveis hóspedes. Está vazio. Reflete a decadência dessas classes e seus herdeiros sem glamour, entregues tão só ao que lhes permite manter a riqueza girando. Esta forma de sustentá-la levou-os à especulação e às sucessivas crises por eles geradas, desaguando na crise financeira de 2008.

Estas visões, sem dúvida decorrentes da obra de Zweig, evitam o filme de Anderson desandar no lugar comum. Percebe-se o fim de uma era, Mustafa, idoso, é um homem tomado pelas memórias. Não se sabe onde a realidade começa ou a fantasia predomina. O hotel herdado por ele é mais um presente de grego, dado justamente a isto. Zweig, escritor tendente ao melancólico (“Carta a uma desconhecida”, escrito em 1922, filmado por Max Ophüls, em 1948), dota sua obra de ganância e autodestruição (a briga dos herdeiros de Madame D por sua riqueza) e Anderson pelo menos isto deixa antever.

““O Grande Hotel Budapeste”. (“The Grand Budapeste Hotel”). Comédia/ação. EUA/Alemanha. 2014. 100 minutos. Música: Alexandre Desplat. Fotografia: Robert D, Yeoman. Adaptação: Wes Anderson/Hugo Guinness. Roteiro/direção; Wes Anderson. Elenco: Ralph Fiennes, Tony Revolori, Willem Dafoe, Adrien Brody, Saoirse Ronan, F. Murray Abraham.

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