“O Último Amor de Mr. Morgan” De esperança e ilusão

Filme da cineasta alemã Sandra Nettelbeck sobre o peso da idade na relação amorosa mostra as descobertas do idoso e da juventude

O vazio na vida do octogenário professor de Filosofia Mattew Morgan (Michael Caine), após longa convivência com a companheira Joan (Jane Alexander), recém-falecida, e a segunda chance com a jovem professora de dança Pauline (Clémence Poésy) são o centro desta história de amor na terceira idade. Carentes de afeto e entregues à solidão, eles se amparam um no outro para terem: ele um recomeço que o estimule a continuar, ela a chance de encontrar quem lhe dê segurança.

Com este tema, a cineasta alemã Sandra Nettelbeck (“Helen”, 2009) retoma neste seu “O Último Amor de Mr. Morgan” o encontro do novo, a jovem, e suas buscas e descobertas, com o idoso e suas memórias, já tratado em outras obras. Em “Vênus” (2006), o cineasta inglês Roger Michell trata da paixão do ancião, o ator Maurice (Peter O´Toole), pela adolescente Jessie (Jodie Whittaker) num clima de impossibilidades e dúvidas sobre a convivência duradora entre eles, em razão da idade avançada dele.

Em ambos predomina a tensão entre o curto prazo de um, ditado pela antevisão da morte, e a esperança do outro por uma longa vida. Indo na corrente contrária, o cinema, arte do ilusionismo e da fantasia, mas também do real, estimula o espectador a viver uma experiência ficcionada. Esta muitas vezes oscila entre a redescoberta da paixão amortecida pelos anos, dada à experiência com o amor e a dor, e a descoberta da paixão e da segurança facilitada pelo experiente parceiro, num mundo de incertezas.

Paixão limitada pela própria vida

Estas impressões que o expectador sabe incertas, imprecisas, embora românticas, nestes filmes são amargas, cruéis, pois opõem a durabilidade da vida à esperança da eternidade, ambas limitadas pelo tempo e as condições físico-psicológicas-ambientais. São elas que ditam a relação do idoso Morgan com a jovem francesa Pauline. Estadunidense que mudou-se para Paris com Joan, após se aposentar, ele acaba de perdê-la e equilibra-se nas boas lembranças com ela e na vida que segue.

Seu encontro com a bela francesa Pauline Laubie é a confirmação da carência de ambos. Angelical, ela reativa nele adormecidas energias, numa construção da juventude como janelas, sol, ritmo e vigor. Enquanto ela vê-se em busca de proteção, de conforto, de carinho, com uma habilidade que o surpreende, porquanto não se impõe, nem tenta seduzi-lo. Apenas o leva para seu ambiente: o salão de dança, onde ele percebe sua segunda chance, agora com uma garota que lhe é uma incógnita.

A maneira encontrada por Nettelbeck, a partir do romance de Françoise Dorner, “La Douceur Assassine” (A Doçura Assassina”), para levar o espectador à zona do desconforto, que borra a relação entre eles, é através dos ambientes em que vivem. O dele é arrumado, com modernos móveis, cozinha asseada e estantes cheias de livros, o dela é o caos. Cozinha com vasilhas e comida espalhadas e o sujo colchão em que ela dorme no chão. O que reflete a estabilidade dele e a instabilidade dela.

Patrimônio é o que se impõe

Além destes símbolos, Mettelbeck introduz outro mais visível: o desconforto criado pela reentrada dos filhos adultos de Morgan, a irrequieta Karen (Gillian Anderson) e o colérico Miles (Justin Kirk), em sua vida. Um atestado das construções da sociedade burguesa, cujos códigos são constantes pontos de instabilidade, estigmatização, desconfiança do outro. E mostra o quanto se preza mais as rusgas e ressentimentos que o sentimento do outro, como abordado por Ingmar Bergman (1918/2003) em seus filmes (“Sonata de Outono”, 1978).

Mas é nesta múltipla abordagem que estão as fragilidades deste sensível “O Último Amor de Mr. Morgan”. Nettelbeck tenta descontruir a oposição idoso/jovem, buscando um falso melodrama, que reforça os estereótipos deste tipo de filme. Karen e Miles tentam afastar a atordoada Pauline do pai, por questões de herança. Torna-se outro filme. E para supostamente fugir à citada oposição idoso/jovem, Nettelbeck cria um triângulo amoroso. E cai no clichê que em vão tentou escapar.

Esta confusa busca de um desfecho que escape à comiseração burguesa termina fragilizando ainda mais o filme. Nettelbeck não quis enfatizar a dualidade idoso/jovem, tendo a idade de Morgan como empecilho à felicidade dele no ocaso da vida, substituiu-o pelo filho Miles. Este recebe uma espécie de recompensa pelo pai não lhe ter dado carinho, quando dependia da atenção dele. E de sobra, Pauline ganha um parceiro sem os riscos da limitação de idade.

Nettelbeck, por mais que tente, não fugiu aos estereótipos deste tipo de filme: o amor com etiqueta vencida. Mesmo assim, “O Último Amor de Mr. Morgan” é estruturado com sensibilidade, entrechos que enfatizam o ser humano e suas buscas do outro. Há em Pauline o charme e a doçura de uma jovem prestes a desabrochar e Morgan a leva à autodescoberta e ela move-o em direção à redescoberta da vida. Nada mais importa.

“O Último Amor de Mr. Morgan”. (“Mr. Morgan´s last Love”). Drama. Alemanha/Bélgica/EUA/França. 2013. 116 minutos. Edição: Christoph Strothjohann. Música: Hans Zimmer. Fotografia: Michel Bertl. Roteiro: Sandra Nettelbeck, baseado na novela “La Douceur Assassine”, de Françoise Dorner. Direção: Sandra Nettelbec. Elenco: Michael Caine, Clémence Poésy, Jane Alexandre, Gillian Anderson, Justin Kirk.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor