Algumas Palavras Sobre Cultura e Política (parte 4)

Após as primaveras que ocorreram em diversos cantos do mundo, em nações sujeitas aos desequilíbrios de regimes políticos, em democracias frágeis, nações com populações econômica e socialmente desiguais, ou oprimidas pelo sistema financeiro internacional (FMI, Banco Mundial), pelo imperialismo ou regionalismo, surgiu o fenômeno que foi chamado de “twitter e facebook foram para as ruas”. Uma onda de manifestos agendados pelas redes sociais.

Primavera brasileira  (Da Primavera, ao Inverno)

Diante das questões apresentadas em outros artigos, retornamos a pergunta, mas afinal, do que se trata a nossa primavera brasileira? O caso da “primavera” local se destaca e destoa das demais, devido a combinação de diversos fatores, para muito além de uma suposta questão referente ao aumento das tarifas de transportes em São Paulo. Dentre os fatores que integram o quadro de conflitos estão: disputa eleitoral, remoções de moradores por causa das obras da Copa do Mundo, violência policial e prisões arbitrárias. A legítima luta de movimentos da sociedade civil organizada, sugerindo novas práticas políticas horizontais e sem partidos, andaram paralelamente às velhas disputas por protagonismo entre movimentos sociais (aptos para trocas de favores com o poder), em meio a disputas pela hegemonia no deformado espectro político brasileiro.

Diversos aspectos ainda precisam ser verificados. Como sugerido pelo Rovai (Revista Fórum), não podemos ignorar: a conjuntura política, a crise de representação e de participação política, inspirações internacionais, histórico recente da luta pela redução da tarifa, força da pauta do transporte público, Copa das Confederações, força do modelo de manifestações, potência das redes sociais e das narrativas independentes, violência policial contra manifestantes e jornalistas, demora na reação dos governantes, ação da mídia tradicional, múltiplas narrativas e vivências dos atos, como fatores relevantes da analise. (BRANT, 2014)

O contexto em que ocorreram manifestos revelam, no geral, aspectos que definem uma crise de credibilidade da política. A soma desses fatores torna relevante o estudo do tema, porém as análises que vêm ocorrendo ou são demasiado “entusiastas”, com afirmativas da potência das ruas, ou são “reclamantes”, denunciando prisões arbitrárias, diminuição da democracia e criação de um estado de exceção. Outros “repressores” (conservadores e grande mídia) vão na linha oposta, apontam para criminalidade e irresponsabilidade dos movimentos. Prende-se aqui seguir por outro caminho, apenas da análise (1).

Novas práticas pollíticas

A qualidade das mobilizações da sociedade civil pode ser medida tanto pela organização, como pelos resultados e capacidade de agenciar o Estado. Nesse sentido, as manifestações tiveram relativas conquistas. Mas as práticas políticas revelam outro aspecto, se estamos ou não diante de algo novo ou apenas das mesmas movimentações vindas de novos atores políticos. O primeiro fator que diferencia o caso brasileiro das demais primaveras, registradas pelo mundo, são as práticas políticas, ao verificar as semelhanças e diferenças nas ocupações pacíficas e/ou protestos violentos.

O movimento brasileiro, sendo chamado de “Primavera”, teria em sua gênese algo diferente. Na origem, foi convocado por organizações de esquerda de oposição ao governo do PT, logo as passeatas foram rapidamente tomadas por outros movimentos e por discursos distintos, somando desde bases governistas, centro e até extrema direita, todos tentaram tirar sua “casquinha” do povo nas ruas. O projeto original que convocou as mobilizações obteve sucesso nas suas pautas? O que ocupou as ruas tinha alguma substância e forma? Ao menos unidade? (CF. Cartazes da Manifestação. Facebook)

A democracia representativa é muitas vezes entendida como a única possibilidade de participação (o eleitor médio imagina que a democracia é apenas o processo eleitoral de escolha de representantes), e uma das características destes movimentos de protestos modernos é justamente a busca por outras formas de possibilidade de transformação da política.

Objetivamente, pode-se dizer que as manifestações produziram aquilo que se espera de uma primavera (retomando o artigo 3 da série): “terem caráter renovador, pela espontaneidade e pela pratica revolucionaria, solidariedade social existente entre os manifestantes e pela originalidade política nas novas formas adotadas de negociação e gestação de uma nova ordem solidaria diante das injustiças globais ocasionadas pelo capitalismo e/ou do autoritarismo de lideres locais”? (SEOANE; TADDEI, 2001, p. 105). Ou foi um movimento “coxinha”, “fascista”, ou até governista, como tem sido argumentado por alguns? Ou apenas o facebook e Orkut nas ruas? Os usuários de Twitter negariam, dizendo que eles (1%) é quem foram às ruas (afirmativa que fazem apenas por uma questão de coerência com o pensamento neo-dominante da suposta intelligentsia no comando das redes do cognitariado). Mas e a maioria que lá estava? Se era composta pelos “outros”, quem são estes outros?
Os defensores dos manifestos (membros dos grupos que disputam por protagonismo) dirão o contrário, que existiam os outros, mas que as atividades foram positivas e que novas práticas políticas resultaram em movimentação social participativa e progressista. Existem indícios disso, “ilhas” como o Ocupe Estelita (Recife) e Espaço Comum Luiz Estrela (BH), bem como rodas de conversas e Assembleias populares por todos os cantos. Existiram, sim, organizações horizontais e novas práticas políticas, como bem lembrou Cava:
“Diante da qualificação de grupos como o OcupaCâmara (Rio), o Tarifa Zero BH e o Movimento Passe Livre, que questionaram o grande negócio dos transportes; a campanha Cadê o Amarildo, que resgatou a favela, o racismo e a brutalidade policial da periferia da percepção; o Comitê dos Atingidos pela Copa (Copac) de Belo Horizonte, que conectou uma rede diversificada de comunidades e coletivos autônomos pelo direito à cidade; (…) na miríade de assembleias horizontais (como a Popular de Maranhão ou a do Largo, no Rio), “ocupas” de casas legislativas (como de Santa Maria – RS), plataformas comuns (como a Belém Livre), bem como uma cauda longa de mídias alternativas e um estilo de midiativismo via internet (…)” (CAVA, 2014) .

Essas expressões populares, com técnicas de ocupações coletivas e manifestações, ainda que autônomas entre si, promoveram diálogos transversais e outras práticas políticas, buscando participação e emponderamento da sociedade civil. Portanto, trataram de poder popular, potência das ruas e novas formas de democracia horizontal.

No entanto, no contexto amplo, a dubiedade das manifestações fica expressa, naquilo que foi noticiado (simbólico negativo) e não a verve das novas vozes, sentadas debatendo e aprendendo juntas sobre novas formas fraternas de encarar um futuro “comum” (Negri), mas, ao contrário, na mídia, só sombras e quebradeira. Como em um jornal de folhetim policial, a Globo, Veja, Folha, Estadão, revelaram o papel de imprensa marrom, mostrando o pior do pior. O florescimento está sendo encoberto pela idade média digital?

(1) Em especial a filosofia dialética negativa adorniana, somado as críticas sobre a alienação e reificação dos sujeitos, somando reflexões de Hegel, Marx, Arendt, Lacan, Adorno, Debord, entre outros.

AVAAZ, Impeachment da Presidente Dilma. 17 de JUNHO de 2013. https://secure.avaaz.org/po/petition/Impeachment_da_Presidente_Dilma_1/?pv=3361

BRANT, João BALANÇO. Um ano depois de junho. 2014. http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1673#.U8vASXfxT-s.facebook)

Cartazes da Manifestação https://www.facebook.com/CartazesDaManifestacao?fref=ts

CAVA, O continente desconhecido da esquerda. (2014) http://www.quadradodosloucos.com.br/
SEOANE; TADDEI, Resistências Mundiales [De Seattle a Porto Alegre]. 2001, p.105

Continua na próxima coluna

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