Umas palavras sobre cultura e política (parte 3)

As palavras que seguem remetem a revisão do contexto em que os manifestos de junho de 2013 ocorreram, suas perspectivas, semelhanças e diferenças com as primaveras e outros protestos globais.

Nas ultimas décadas, diversas revoltas apresentadas pela imprensa (dentre tantas que sequer foram noticiadas) vêm sendo analisadas por jornalistas, historiadores e cientistas sociais ora como guerras, atos terroristas, vandalismo, ora como manifestações pacíficas, ora como ação direta, agitação comunista ou anarquista etc., assim descritos à revelia da verdade, dependendo das posições que ocupam como atores políticos.

No caso mais específico, tratado anteriormente nesta série, estes levantes populares, revoltas sociais e manifestos recorrentes, têm sido apresentados como eventos de grande potência chamados na última década mundialmente com o título de “Primaveras”. Isso se deu pelo caráter renovador, pela espontaneidade e pela prática revolucionária, solidariedade social existente entre os manifestantes e pela originalidade política das formas adotadas de negociação e gestação de uma nova organização mais fraterna, diante das injustiças globais ocasionadas pelo capitalismo e/ou do autoritarismo de lideres locais (1).

Exemplos dessas movimentações, que são comparadas arbitrariamente com a Primavera de Praga (Tchecoslováquia) e Maio de 1968 (Paris), carimbados pela imprensa, são protestos como a Batalha de Seattle (1999), a formação do Fórum Mundial Social, e mais recentemente, após 2010, o levante de milhões de pessoas que eclodiu em diversas nações como: Tunísia, Egito, Espanha, Itália, Islândia, Grécia e Reino Unido. Cada movimento obteve avaliação própria da imprensa, definindo de que lado jogavam os grandes interesses. Onde existiu povo nas ruas, não podem ser entendidas “as gritas” como a mesma voz, nem no tom, nem no sentido do discurso.

Movimentos como o Occupy NY e o 15-M (15 de Maio Espanhol/Europeu) resultaram no 15-O (15 de outubro) e no Global Voices, espalhando ondas de manifestações por mais de 400 cidades em protestos pontuais e ocupações permanentes nos anos de 2011 e 2012, chegando também ao Brasil, Equador, México, Uruguai, Colômbia, Argentina, Costa Rica e Chile (2). Em comum, esses movimentos carregaram a crítica quanto à profunda crise econômica e política global. Por outro lado, nesses manifestos abertos muitas vezes foram observadas faixas que continham discursos múltiplos e contraditórios, circulando juntos. Paralelamente, ocorreu no Oriente Médio e África a onda mais radical, chamadas de “Primaveras Árabes”.

No ano de 2013, o Brasil viveu sua primavera, um levante popular que levou 2 milhões de pessoas às ruas e que poderia se equivaler aos manifestos ocorridos nas nações de maioria islâmica, iniciados em 2010. Porém, nações como Egito e Tunísia se levantaram resultando em queda de regimes autoritários. Outros grandes protestos foram registrados na Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia, Omã, Iémen. Protestos menores ocorreram ainda no Kuwait, Líbano, Mauritânia, Marrocos, Arábia Saudita, Sudão, Saara Ocidental.

Se faz necessário diferenciar as “Primaveras” ocorridas entre aquelas espontâneas, ainda que possam ter sido influenciados por redes sociais, partidos e agitadores profissionais, das articulações que contaram com ação direta de governos e blocos internacionais, interessados em desestabilizar países opositores.

Além dos protestos, outros casos foram registrados como conflitos armados, em nações inimigas dos EUA, como na guerra civil na Líbia, que levou a morte do governante Muamar al-Gaddafi. Já na Síria, aconteceu o caso mais grave, um conflito polarizado entre população e regime que levou a guerra civil, resultando em mais de 100 mil mortos até 2014.

Em meio aos levantes que pretendiam mudar os regimes e propor uma nova política, não pode ser ignorada as ações de agitadores articulados por interesses internacionais. A Síria, por exemplo, precisa ser interpretada segundo outro fator, ainda que seja uma das revoltas tratadas por “Primavera”, revela a existência de resquícios do mundo bi-polar, da mesma forma que o levante ocorrido na Ucrânia (2014), portanto dentro do contexto de influência das tensões entre Russos e Estadunidenses.

Em 2014, a Ucrânia viveu seus momentos de terror quando blocos nacionalistas, defensores da aliança com Estados Unidos e União Europeia, criaram conflitos com ajuda de grupos radicais (formados por agentes mascarados do Pravy Sektor Milicias do Maidan), responsáveis pela agitação e caos, contando com ajuda de partidos e opositores que derrubaram o presidente Viktor Yanukovich (que mantinha aproximações com a ex-união soviética, atual Rússia). Não se tratam apenas de levantes populares, mas, em realidade, nações sendo atacadas externamente com apoio de grupos internos.

Casos similares ocorreram ainda na Venezuela contra o presidente falecido Chaves que apesar das instabilidades políticas não levaram à queda do governo. Todos esses casos (e mais outra centena) têm em comum a relação de forças ocultas, o que pode ser observado no perfil de blocks e outros grupos, em meio às passeatas pelo mundo. Coincidência ou não, no geral, os mascarados surgem em nações onde existem conjunturas desfavoráveis aos Estados Unidos da América, que não mede esforços para impor seus interesses (3).

As chamadas Operações Negras (PP ou Kukage) dos estadunidenses se consolidaram no pós II Grande Guerra, quando suas agências de inteligência comprovaram que as agitações para derrubadas de Estados, financiados pela CIA, e/ou compra de líderes, saíam mais baratas do que invasões militares e provocavam menor desgaste internacional. Admite-se que hoje os EUA gerenciam mais de uma centena de guerras secretas em andamento desde o começo deste século. Nos últimos anos, onde pudessem existir levantes organizados em solo hostil aos EUA, promovidos pela CIA, ocorreram inflamadas revoltas “espontâneas” articuladas por perfis fakes (anônimos) nas redes sociais, antes de se transformarem em realidade nas ruas. Exemplos dessas manipulações das mentes, e novos estágios de agitação política, gerando climas negativos, podem ser melhor entendidas como o caso do facebook, que teria feito experiências psicológicas nas páginas de mais de 700 mil usuários sem autorização destes (4).

Não custa a lembrança de que este tipo de estratégia, em atos similares de baderna programada no passado, levaram a derrubada dos governos democráticos do Brasil com a queda de Jango em 1964, e do governo Chileno, resultando na morte do Presidente Salvador Allende em 1971. Portanto, não são os pequenos grupos, professores e ativistas de esquerda, presos arbitrariamente, os responsáveis por tanta agitação. Nem podem ser considerados responsáveis, mas, na realidade, podem ter sido o bode expiatório.

Esta constatação coloca em debate o conceito de “Primavera Brasileira”. Poderiam ser comparadas com as demais primaveras, Praga e Paris (1968)? Ou mesmo a Batalha de Seattle (1999), Ocuppy e 15M (2011-2012), quando se enfrentou o sistema financeiro e nações mais ricas do mundo? A Primavera Brasileira pretendia enfrentar a nova ordem política e o capitalismo? Comparado aos movimentos recentes ocorridos no oriente médio, bem como Venezuela e Ucrânia, localizam-se mais semelhanças ao nosso caso, ao existir intenção de forças na promoção de caos e desestabilização de governos.
Será que estivemos presenciando revoltas populares ou ações articuladas em seu contrário? Nesse sentido, essas manifestações podem estar sendo lançadas como ataques vindos de forças externas, em especial, podem fazer parte do golpe que a plutocracia (1% x 99%) global impõem ao mundo desde o começo da década?(5)
(continua na próxima coluna)

(1) SEOANE; TADDEI, 2001, p.105
(2) CAVA, Bruno. Perspectivas do Movimento Occupy, 22 de janeiro de 2012 #15-M
(3) CHOMSKY, Noam. O Lucro ou as pessoas? Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
(4) Como Zuckerberg trata usuários do Facebook como Ratos de Laboratório. Carta Capital, 07/07/2014
(5) Kaiser. TARP-Terrorismo financeiro. Carta Capital. 20/09/2013

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