“Não Aceitamos Devolução” miscelânea mexicana

Cineasta mexicano Eugenio Derbez mescla fantasia e realismo nesta comédia dramática sobre pai solteiro obrigado a imigrar para os EUA

De quiproquó em quiproquó, o cineasta mexicano Eugenio Derbez passeia por vários gêneros cinematográficos para fazer rir e chorar, neste “Não Aceitamos Devolução”. Vai da chanchada ao melodrama, dos impasses de seus compatriotas nos EUA ao conflito entre ex-amantes. E acaba remetendo a trama às velhas comédias dos anos 50 e aos novelões mexicanos enquanto o personagem Valentín Bravo se faz de coitado para sair do apuro. E tudo isto sem perder o pique.

Com esta diversidade de gêneros, Derbez consegue dar conta de seu tema: as estripulias do mulherengo Valentín (o próprio Eugenio Derbez), obrigado a atravessar a fronteira dos EUA, para localizar Julie (Jessica Lindsey), mãe de sua filhinha, Maggie. Nesta procura, ele matiza a dura travessia da fronteira em caminhões fechados, a vida de clandestino, sem registro definitivo, a imposição de emprego precário e perigoso e a arrogância dos estadunidenses, que se acham superiores, aos latinos.

Isto o dá o tom de atualidade ao filme, dado ao fascínio de “terra das oportunidades” exercido pelos EUA sobre os mexicanos (e não só sobre eles). Numa demonstração da exploração de sua mão de obra, Valentín sente-o na pele ao ser obrigado a trabalhar como dublê de filmes em Los Angeles, sem qualquer preparo. Cada vez mais, as exigências e os riscos aumentam e as cobranças do condomínio se repetem pelo mesmo motivo: a implicância do sindico com ele, por ser latino.

Maggie manipula os diretores

Por ser clandestino, indocumentado, sem Green Card (o registro definitivo), ele não se integra à comunidade. Não fala sequer a língua. Derbez vale-se desta situação para introduzir a garota Maggie (Loreto Peralta), em sua dupla cidadania: mexicano-estadunidense. Ela fala bem espanhol e inglês e torna-se sua intérprete e empresária. São hilariantes suas negociações do cachê do pai com o diretor estadunidense. Ela inventa perigos que só o faz crescer, para o tormento do atarantado Valentín.

Derbez mergulha o espectador na realidade dos dublês, provocando medo e, ao mesmo tempo, dando prazer ao espectador. Eles correm o risco, as estrelas ganham a fama. Valentín vive cheio de hematomas, feridas, sob constante risco de acidente. Derbez filma-o em planos aproximados, mostrando-o prostrado enquanto Maggie encena uma reza dos orixás, numa união do real e a crença. Isto servirá, adiante, para ele, Derbez, mostrar o quanto o dublê é negligenciado como profissional.

Há, por outro lado, a mordacidade com que Derbez insiste na caricatura do diretor tirânico, autoritário. Frank Ryan (Daniel Raymont) está sempre aos berros, tratando extras como meras peças do produto chamado filme. Este é, no entanto, o único que, no desfecho, mostra-se amigo de Valentín, diante da ferocidade com que Julie investe-se contra ele. O filme tem, assim, este lado de pessoas que se comportam como seres humanos, não peças de uma grande produção hollywoodiana.

Valentín vive na fantasia

Esta vertente cinema é que reforça a fantasia que vive Valentín com a filha Maggie em Los Angeles. Demonstra que o dito mundo da fantasia, o cinema, é mais real que a fantasia do cotidiano. Valentín, porém, muta a vida da filha num conto de fadas, mergulhando-a no universo do faz-de-conta, dos personagens de filmes (Batman), viagens a terras distantes (Austrália), para compensar a ausência de Julie. O apartamento deles é verdadeiro playground. Eles mesmos vivem numa contínua ilusão.

O próprio Valentín, acostumado a conquistar mulheres, transforma sua vida numa viagem fantástica, sem fim. É uma criança que transforma tudo em brinquedo. Até ser obrigado a enfrentar uma realidade onde as mulheres, de objeto de desejo, se tornam seres ameaçadores. Derbez usa a bela Lindsey, como a estadunidense que pode ser a fada, a princesa, ou a bruxa brutal, manipuladora, capaz de valer-se de sua condição de estadunidense para apodera-se do que ele tem de mais amado.

É nestas sequências que a comédia cede espaço ao drama, ao realismo, dão aos personagens tonalidades sombrias, de vilões (a diretora da escola, o sindico do prédio, Julie e sua companheira) e ele, enfim, amadurece. O espectador tende a pensar em sua penalização, devido à sua condição de clandestino, mas Derbez prefere uma saída de comédia. Os vilões são punidos, ou seja, o latino pode vencer, mas sofrer um golpe baixo. O desfecho pode frustrar, por ele usar um artifício que enfraquece o filme.

Derbez, mesmo com bons achados de comédia, que recuperam, em parte o legado das boas comédias mexicanas (elas existem), dota seu filme de exacerbados matizes melodramáticos. Usa, para isto, o surrado recurso da criança sacrificada para unir o casal Valentín/Julie. É uma pena, ser chanchada não é demérito, muito menos melodrama, ruim é valer-se deles para obter o riso e o equilíbrio dramático. Saudades de Cantinflas.

Não Aceitamos Devolução”. (“No se aceptan devoluciones”). México. 2013. 115 minutos. Roteiro: Eugenio Derbez, Guilhermo Rios, Letícia Lopez Margalli. Diretor: Eugenio Derbez. Elenco: Eugenio Derbez, Jessica Lindsey, Loreto Peralta, Daniel Raymont.

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