Primeira Guerra: a esquerda se divide na “festa universal da morte”

Na coluna da semana passada, referimo-nos ao quadro geopolítico em que foi desencadeada a Primeira Guerra Mundial. Nesta, veremos como a esquerda da época se dividiu sobre a posição a adotar diante da guerra.

Em sua majestosa obra “A Montanha Mágica”, o escritor alemão Thomas Mann refere-se ao grande conflito como a “festa universal da morte”, uma “perniciosa febre”, o “macabro baile” que durará vários “anos malignos”. O grande humanista e cultor dos valores progressistas das conquistas da revolução burguesa, contudo, apoiou a entrada da Alemanha na guerra. Com justificativas “patrióticas”, defendeu a política do imperador Guilherme II.

Não somente das consciências individuais de escritores e artistas a guerra exigiu reflexões e posicionamentos graves. A eclosão da Primeira Grande Guerra implicou um conjunto de novas questões e tarefas para os trabalhadores e o movimento socialista internacional.

O debate principal entre as forças do socialismo envolvia duas posições antagônicas – participar do esforço de guerra ao lado da própria burguesia ou transformar a guerra imperialista em luta revolucionária. As lideranças dos partidos socialistas da Inglaterra, França, Alemanha, Áustria-Hungria, entre outros, assumiram o lado da “suas” burguesias, fazendo chamamentos aos trabalhadores a “defender a pátria” numa guerra injusta.

A posição política que esses partidos adotaram nos respectivos parlamentos foi votar em favor dos orçamentos de guerra apresentados pelos governos. Os socialistas belgas e os franceses proclamaram a “paz civil” com as burguesias de seus países e ingressaram nos governos. Sem entrar nos governos, também os socialistas alemães e austríacos proclamaram a “paz civil”. As estratégias e táticas principais desses partidos passaram a ser o convencimento dos trabalhadores a abrir mão da luta de classes para se aliar ao esforço de guerra de suas burguesias. O movimento socialista tornou-se, assim, em sua maioria, linha auxiliar da guerra imperialista.

Esta posição levou à bancarrota da Segunda Internacional (1889-1914), assim transformada em um aglomerado de partidos oportunistas, que renunciaram ao internacionalismo proletário, defenderam os governos burgueses e desmobilizaram a luta revolucionária das massas trabalhadoras. O revolucionário russo Vladimir Ilitch Lênin, partidário da posição de transformar a crise gerada pela guerra imperialista em luta revolucionária, pôs-se à frente do combate a essa posição da liderança socialista. Para Lênin, o revisionismo político e ideológico, tomou tal dimensão no seio das direções desses partidos, que foram levados à traição aberta à causa do socialismo e dos interesses dos trabalhadores.

“Os socialistas de todo o mundo declararam solenemente em 1912 na Basileia que consideravam a futura guerra europeia uma obra ‘criminosa’ e profundamente reacionária de todos os governos, que deveria apressar a derrocada do capitalismo, surgindo inevitavelmente a revolução contra esse sistema” – dizia Lênin, para quem a posição da liderança socialista ao lado dos próprios governos constituía uma traição aos interesses dos trabalhadores, o que levou o movimento a uma fatal divisão e à bancarrota da Segunda Internacional.

Lênin insistia em que os revolucionários deviam compreender as causas desse fracasso. Ele considerava que a essência ideológica e política do oportunismo da Segunda Internacional era a substituição da luta de classes pela colaboração entre as classes, a negação do caminho e dos métodos da luta revolucionária.

O partido bolchevique, dirigido por Lênin, encetou uma luta sem quartel contra o imperialismo e os oportunistas da Segunda Internacional. Foi incansável a atividade dos bolcheviques russos para desmascarar o caráter imperialista da guerra.

Foi com esse pano de fundo que os bolcheviques elaboraram uma tática revolucionária, que se expressava na palavra de ordem – “Transformar a guerra imperialista em guerra civil!” – o que na prática significava dizer aos trabalhadores recrutados para as fileiras dos exércitos beligerantes que apontassem suas armas contra as próprias burguesias e governos, e tomassem o poder político.

Esta posição tornou-se um divisor de águas no seio do movimento socialista internacional, no qual surgiu também uma ala de esquerda revolucionária e internacionalista. No seio do mais poderoso partido social-democrata da época, o alemão, foi formado, em 1916, o grupo “Spartacus”, sob a liderança de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, o único deputado que no parlamento votou contra o orçamento para a guerra.

Desde então guerra e paz, estratégia e tática revolucionárias, socialismo e internacionalismo são exigentes temas que polarizam os partidos e organizações dos trabalhadores em todos o mundo.

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