Algumas palavras sobre cultura e política (parte 2)

Continuando a análise de “Algumas palavras sobre cultura e política”, o que pretendo ilustrar, com comentários dos movimentos sociais presentes nas ruas de junho de 2013, são detalhes dos mais variados conflitos existentes, pintados com poucas cores pela imprensa, quando na verdade são formados por um conjunto enorme de matizes multicoloridos. Ainda assim, apenas três cores são descritas pela mídia.

Vermelhos

Quando se referem aos vermelhos, tanto a grande mídia, quanto os leitores médios (aqueles que estão sujeitos à manipulação da informação, mediada pelos interesses dominantes) os apresentam dentro de velhos esteriótipos, como “os maus”, “ladrões”, “comedores de criançinhas”, “ateus”. Não se pode passar despercebido que a cor “vermelha” tem sido atribuída pelos conservadores aos que estes denominam como “inimigos do Estado” (professores, alunos, sindicalistas, a classe trabalhadora e a todos aqueles que reivindicam direitos humanos), segundo essa mesma direita conservadora, que os chama de “petralhas” à frente do Brasil no comando geral da “quadrilha”. Tratados equivocadamente por “comunistas”, ao serem representantes do espírito do povo, precisam ser combatidos, criando-se através de um terrorismo midiático uma atmosfera de medo de que a nação se transforme em Cuba ou Rússia.

Além da equivocada atribuição de problemas nacionais a um único partido (confundida com uma cor), a confusão de espectro político e partidário amplia a necessidade de reflexão sobre a visão de parte substancial dos leitores e espectadores da grande mídia. Um erro de interpretação bipolar (no máximo tripolar), em um universo de movimentos sociais que formam vozes distintas e subjetivas em um mundo de discurso polifônico (BAKHTIN).

Estes diversos grupos são chamados de “Esquerda caviar”, “Esquerda i-phone”, “Esquerdeopata”, “Ditaduragay”, “ladrões de terras”, “vagabundos”, seriam, na visão da imprensa conservadora e monopolista, a quadrilha formada entre outros por: PT, PCdoB, PSOL, PSTU, CUT, CTB, UJS, UNE, MPL, FIP, MPL, MNLM, MMPT, MPM, MSTL, MTST, FDE, Marcha das Vadias, Marcha da Maconha, Povos Indígenas, Movimento Negro, GLBT, Cultura Digital etc. Ledo engano, nem são quadrilhas, nem maus, nem a mesma coisa, nem andam juntos, tampouco odeiam o povo. Mas são apenas movimentos sociais e partidos.

Amarelos

Já os amarelos, são apresentados como o espelho de midas, ou das mídias. Somando diversas vertentes que podem ser apresentadas por cores, faces pintadas, roupas, relógios rolex, exemplos da “sociedade branca”, “heterosexual”, “bem-sucedida”, “cristã”, em programas de TV, colunas de jornal, que refletem o espírito de sua audiência televisiva ou virtual. Ainda que existam pequenas diferenças, este grupo se apresenta em relações de oposições binárias, maniqueístas, entre povo e elites. Para eles, os que se vestem de vermelho ou preto, são pobres e/ou são “bons escravos”, ou “são bandidos”, que precisam ser amarrados em postes, torturados e mortos.

Os maiores representantes desta corrente são apresentados pela grande mídia como os novos “caras pintadas” (heróis do Fora Collor) que lutam contra a corrupção, a nova Marcha contra os Comunistas, os nacionalistas “bonzinhos”, que são apoiados ainda pelos “reaças” e a “direita pão com ovo”.

Alguns desses “nacionalistas” foram encontrados por aí, com máscaras de “Guy Fawkes” (traidor/herói inglês do século 17), adotada pelo personagem “V” do graphic novel e filme “V de Vingança”, máscara que se converteu em símbolo do movimento radical hacker ativista Anonymous. Muitas vezes foram vistos de verde e amarelo, com bandeiras cobrindo as costas, seriam aqueles que “amam o Brasil”, ainda que alguns “odeiem o povo”. Que alguns queiram privatizar a nação, que sejam nacionalistas com ideais fascistas. Ainda que outros digam que defendem o Brasil, mas tenham em mente o ideal entreguista ao imperialismo estadunidense.

Outros podem ser encontrados na categoria “Yellow Blocs”, torcedores que pagam até R$1.000,00 para ver a selação brasileira e que mandaram a presidente “tomar no cu”, como na abertura da Copa em desrespeito a nação perante todo o mundo. Esse bloco é formado tanto por globais (literalmente atores e jornalistas da maior emissora de TV do Brasil), quanto por empresários, membros e apoiadores de partidos PSDB, DEM, PPS, #Rede, “Tucanonymous”, os ditos “coxinhas”, chamados de “elite branca” e “xenófoba”. Todas as categorias nunca são expressas pela mídia como movimentos, grupos ou partidos, mas apenas como indignados “cidadãos de bem” moradores contrariados de Banânia, uma terra "atrasada".

Pretos

 
Esta é a cor atribuída aqueles encapuzados que se vestem de preto. A mesma confusão da mídia ao classificar essa categoria se repete. Os que se vestem de preto, chamados de Black Blocs, são confundidos e tratados por boa parte da imprensa como aqueles de cor “vermelha”, quando, na verdade, se aproximam mesmo dos “Yellow blocs” e outros “mascarados”.
Esses que andam de preto, quebrando tudo, são acusados pela P.I.G (Partido da Imprensa Golpista) de agirem em nome do governo para confundir a nação enquanto preparam um golpe “comunista”. Porém, o que se esconde nas máscaras e nas vestes pretas, muitas vezes são sinais de interesses de grupos cooptados pelos estadunidenses (caso comprovado na Venezuela e na Ucrânia), ou de partidos neoliberais (estratégia usada graças ao processo eleitoral), e que apesar de terem “primos” pelo mundo, que lutam contra o capitalismo, isso no Brasil não fica muito claro.

Nas ruas, além dos verdadeiros Black Blocs (relacionados aos grupos originais no exterior), quebrando agências bancárias, concessionárias e parte do patrimônio público (como a Prefeitura de São Paulo), estavam muitas vezes anarquistas, P2 (policiais disfarçados), anarco-fascistas, nacionalistas e até neonazistas (ao estilo novos colaboradores da CIA como “setor direito”, Pravy Sektor, Milicias do Maidan, grupos que agiram na revolta ocorrida na Ucrânia), “Black Brioches”, movimentos de “ação direta”, agindo lado a lado com “rude boys”, “manos”, “membros de torcidas organizadas”, “hackers da direita”. Não param ai as contradições, considerando a união de alguns grupos ocorrida quando da “Marcha por Jesus, pela Família e Contra os Comunistas”.

Além desses, ainda foram vistos membros de partidos mais conhecidos do bloco amarelo (PSDB, DEM, PPS) que andavam mascarados nas ruas ao lado de membros de novos grêmios, como Partido Militar e do Partido da Segurança Pública, ambos em fase de registro. E onde se afirmava no grito proferido de forma marcada e ensaiada “sem partido”, apostem, podiam ser encontrados partidos do centro e direita pagando as contas da agitação, responsabilizando a extrema esquerda (PSOL), pela cooptação de conto de fadas que atraiu supostamente demais movimentos na base da rabanada. Todos estes grupos andaram estranhamente juntos pelas ruas, lado a lado, por conveniência, procurando atingir seu inimigo comum, o bloco do governo.

Policromia

A procura de entendimento de tantos e tão difusos fenômenos exige-se um olhar apurado e uma verdadeira investigação. A observação do fenômeno, independentemente de movimentos, credos, ideologias políticas, visa o entendimento dos discursos e grupos de interesse presentes nos diversos atos ocorridos entre 2013 e 2014, a fim de promover alguns esclarecimentos diante da verdadeira desinformação promovida pela grande mídia – esta sim, responsável por mais danos na sociedade brasileira do que todos os atos de vandalismo juntos.

A mídia tem tratado muitos dos manifestos como atos injustificados realizados por “arruaceiros”, outros como “legítimos” protestos contra o governo. O julgamento social desses atos como ilegítimos, pode incorrer em um erro, fruto da ausência de reflexibilidade da sociedade fracionada. Algo que nos exige a reflexão de que se existem revoltas, existem razões, não apenas no sentido justo, natural ou espontâneo, como ocorrem em muitas das manifestações, mas também armações, golpes, revoltas planejadas, somadas as causas dos demais grupos. Em todos os casos, alguma ação, racionalizada ou emotiva, mais ou menos obscura, comanda as massas.

Onde exista qualquer regime de Estado nacional ou grupos no comando de qualquer comunidade humana, em que se perpetuem relações de poder, a população poderá se manifestar pelas vias possíveis, sejam por ações simbólicas, lúdicas, opinião pública, ou mesmo por atos mais violentos, procurando com isso distensão entre as relações de grupos privilegiados e esquecidos, na eterna renegociação entre forças sociais.

No entanto, apesar de reconhecida a polaridade entre os grupos sociais, não podem ser entendidos com as cores básicas apresentadas pela mídia como sendo apenas vermelhos, amarelos e pretos (ou esquerda, centro e direita) em um espectro linear. Quando, na verdade, a arena política demandaria ser qualificada em termos de corpos tridimensionais, onde os grupos podem ocupar relações distintas uns com os outros, desdobrando-se ainda nas subjetividades dos indivíduos que têm suas opiniões independente dos grupos. Portanto, qualquer classificação destes fenômenos, devido a sua pluralidade e movimento, precisa considerar as mais sutís nuances. E o contrário, aquilo que tem sido apresentado com filtros pelas mídias, de forma unilateral a todos os movimentos sociais, é feito em favor da visão de grandes interesses corporativos.

Porém, apesar de aparentarem caóticos, não existe negatividade na possibilidade de existirem muitas vozes. O volume de grupos sociais distintos é reflexo da diversidade cultural emergente no Brasil pós ampliação das redes sociais virtuais, telefonia móvel e direito constitucional de liberdade expressão. A realidade mais complexa é formada por universos sociais e políticos que coexistem em diferentes dimensões com maior ou menor aproximação.

Se esses grupos distintos tivessem relativa participação nos processos decisórios ou escolhas de lideres, teríamos uma poliarquia (DAHL), mas pergunto: tivemos algum dia sequer uma democracia? O Brasil colonial passou do feudalismo (das capitanias hereditárias e escravocratas), sem revolução industrial, direto para uma república com uma sucessão de ditaduras militares e civis, embarcando para a plutocracia do século 21. Como argumentar diante disso, que qualquer debate sobre esses grupos sociais tem maior ou menor participação na democracia? Sem anteriormente propormos um debate voltado a pergunta: participação no quê? Que regime político temos no Brasil e no mundo? E afinal, não sendo esses grupos agitadores a mesma coisa, nem em discurso ou objetivos, então o que foram esses manifestos de junho de 2013?

Continua.

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