Onde o PAC pode empacar

Ganha corpo o debate a respeito das limitações impostas pela política macroeconômica conservadora ao desenvolvimento econômico do país. Há nessa polêmica uma demarcação social muito bem definida. Daí a necessidade urgente de o assunto sair do campo das id

Quando era assessor econômico do candidato à Presidência da República Luis Inácio Lula da Silva, ali pelos meados de 2002, o atual ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o Brasil precisava de um estadista para enfrentar as demandas decorrentes de sua vulnerabilidade externa. A recente valorização do real, provocada por um súbito movimento especulativo do capital financeiro internacional, mostrou que Mantega tinha razão. Em reunião realizada com a equipe econômica na noite do dia 6 de fevereiro passado, Lula constatou que o problema é grave e decorre, em parte, da “ortodoxia” do Banco Central (BC) afinada com os interesses da banca. Vai ficando cada vez mais evidente que o nó dos juros, tido como o principal empecilho ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), se transformou numa queda-de-braço que tende a evoluir para lances cada vez mais dramáticos.


 


Calcula-se que o BC deve comprar neste ano 25 bilhões de dólares no mercado financeiro brasileiro — um excedente que resulta da alta taxa de juros. A grande quantidade de moeda norte-americana no país também afoga a indústria brasileira. “Além de outras inconveniências óbvias, a valorização (do real) é um chute no traseiro do investimento produtivo estrangeiro e já espanta empresários brasileiros, convidados a mover suas fábricas para outras paragens. Assim, é cada vez maior o risco de regressão da estrutura industrial”, escreve o professor Luiz Gonzaga Belluzzo na edição da revista CartaCapital desta semana. Os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no dia 5 de fevereiro passado dão razão a Belluzzo: o crescimento foi de apenas 2,6% no ano passado, frente a 3,1% em 2005 e a 8,3% em 2004.   



Decisões fundamentais



Com esses dados, como fazer o Brasil engatar um ciclo de expansão da economia de 4% ou 5% ao ano por, digamos, cinco ou seis anos? Um setor considerável da equipe econômica do governo Lula, capitaneado pelo presidente do BC Henrique Meirelles, ainda parece viciado em não resolver os problemas de verdade. “Não sou favorável a que você dê um tranco nos juros, tem de ir gradualmente. É como o viciado, estava acostumado a uma dose elevada de droga, de repente você tira, não dá certo. Tem de tirar gradualmente”, disse Mantega em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo no dia 11 de fevereiro passado. Perfeito. O problema é que esse vício, alimentado pela visão de curto prazo da roda-viva financeira, impede que a curva do desenvolvimento evolua. Pode-se dizer que mais relevante do que a redução do ritmo da queda da taxa de juros foi a indicação da ata do Comitê de Política Monetária (Copom) de manter o pé no freio por tempo indeterminado.


 


Isso quer dizer que com essa política macroeconômica o governo terá de procrastinar decisões fundamentais para a aceleração do crescimento. No máximo fará como o morador que só chama o encanador quando aquela solução caseira está a ponto de explodir o cano e levar a parede junto — como ocorreu com a recente operação tapa-buraco para socorrer as estradas brasileiras. É tempo de mudar esse quadro. Este governo nunca reuniu tantas vontades e tantas energias, públicas e privadas, para fazê-lo. No centro da questão está a forma de lidar com a renda nacional — a síntese de toda atividade econômica. Se quisermos falar em desenvolvimento, um impulso adequado de crescimento deve se traduzir em modificações na estrutura social. A indagação aqui é: como promover aumento da renda nacional nas dimensões e características necessárias?



Números manipulados



O ponto de partida é o papel do Estado, que pode estimular e até condicionar o desenvolvimento econômico. Esse é um campo fértil de análises e debates. Nos Brasil das últimas décadas, sob o pretexto de que a economia mundial tomou formas mais complexas surgiram teses supostamente amparadas em estudos “científicos” que são verdadeiras metafísicas econômicas, contendo uma falsa e vaga representação do mundo real. É uma moda que faz das teorias conservadoras verdades absolutas para o processo econômico — um comportamento intelectual que enclausura os “especialistas” em torres de marfim. A transformação de suas verdades em algo “científico” se dá, no melhor dos casos, em apresentar o evidente em termos complicados, geralmente por meio do uso de instrumentos teóricos de análise absorvidos sobretudo dos Estados Unidos.


 


É óbvio que tal prática deforma a natureza dos reais problemas da economia brasileira. Os números são manipulados a todo instante com a finalidade de desqualificar a importância do Estado no processo de aceleração dos ritmos do desenvolvimento econômico. Essas verdades “universais”, essencialmente construídas para proporcionar equilíbrio nos centros de origem das crises, são desligadas da vida real dos países pobres. Elas não servem para definir a alma dos problemas nacionais: desenvolvimento econômico, melhoria dos níveis de renda, investimentos e consumo. A hegemonia que essas teses angariaram decorre do fato de que toda a ciência econômica tem, falando no sentido social, profunda base partidária. Ou seja: as interpretações econômicas correspondem a um jogo de disputa ou defesa de posições.


 


Mula-sem-cabeça


 


Atrás das cifras estereotipadas, das fórmulas matemáticas sem matéria, escondem-se os fenômenos humanos — os contrastes da sociedade dividida em classes e camadas sociais, a diversidade de problemas e necessidades regionais. Na realidade, o desenvolvimento econômico é um processo desigual, no sentido geográfico e social. E isso nega frontalmente a análise econômica pela utilização dos números “macros”, com o abandono dos contrastes. Os salários e os lucros, por exemplo, devem ser vistos como duas formas antagônicas de renda. E um jeito de manipular esse conceito é tratar do assunto em termos de renda per capita — uma fórmula freqüentemente utilizada para apregoar melhorias dos padrões de vida no Brasil.


 


Essa técnica corresponde à mera figura estatística, e nem de longe reflete um fenômeno de riqueza social porque não leva em conta o caráter antagônico dos salários e dos lucros. Como é possível encontrar alguma coisa em comum entre a renda, digamos, do grupo Votorantin e o salário dos seus trabalhadores? Na renda per capita produzida não se refletem as profundas diferenças existentes na distribuição da riqueza, fenômeno que, esse sim, caracteriza decisivamente o padrão de vida de uma sociedade. Só um Estado indutor da economia, que parta da valorização do trabalho e da aplicação de fortes políticas sociais, teria condições de solucionar muitas de nossas mazelas sociais. Sem isso, falar em aceleração do crescimento seria soltar na praça mais uma dessas mulas-sem-cabeça que os neoliberais tanto gostam de cultuar. 


 


 

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