“Avanti Popolo” Impasses submersos

Em filme sobre a falta de comunicação entre pai e filho, cineasta uruguaio Michael Wahrman discute o universo pós-ditadura militar no Brasil

Nestes tempos de investigações da Comissão da Verdade para se saber onde estão os militantes executados pela ditadura civil-militar de 64 sintetizar as relações entre pai e filho, a partir da perda do filho/irmão naquele período, é instigante. O cineasta uruguaio, radicado em São Paulo, Michael Wahrman, trata neste “Avanti Popolo” do distanciamento entre gerações e da prostração gerada pela ausência, sem informação alguma das forças armadas para amenizá-la.

O modo como o faz exige atenção e análise do espectador, pois, embora num filme linear, Warhman não lhe facilita a apreensão. É preciso ligar as imagens aos fatos, às épocas, ao comportamento dos personagens, para captar suas intenções. E sobretudo vê-lo sob a ótica da incomunicabilidade, da falta de atenção do pai (Carlos Reichenbach) com o filho André (André Gatti). Mas existe algo irresolúvel, sobre o qual não falam, nem o diretor preenche este espaço.

Este algo irresolúvel é o filho que supostamente foi estudar em Moscou, nos anos 70, e o pai jamais voltou a saber dele. E tampouco o irmão levanta esta questão. Resta o distanciamento entre eles, ditado pela rudeza, monossílabos, silêncios e alheamento. A irritação do pai com o filho quando este tenta entrar no quarto do irmão ou abre a janela superior do sobrado mostram o receio do pai de lançar luz sobre o passado.

“Estou vendo tudo cinza”

Também de André, o filho presente, pouco se saberá. Apenas imagens familiares em super-8, feitas pelo irmão desaparecido, revelam sua infância, fazendo a ligação entre eles. E o irmão desaparecido ao filmá-lo também fala de si. Mostra Moscou, parada militar de 07 de setembro, ligando-o à resistência à ditadura civil-militar ((1964/1985). Assim, André dá sentido à sua busca. Porém, é com a frase do pai: “Estou vendo tudo cinza”, que Warhman desvenda as marcas deixadas pelo regime militar.

A metáfora deste “tudo cinza” é o passado não elucidado, redundando numa transição incompleta do poder ditatorial civil-militar para a sociedade civil democrática. Mesmo existindo depoimentos nas Comissões da Verdade Federal e em suas correspondentes estaduais, no livro do Projeto Brasil Nunca Mais (Editora Vozes, 1985), testemunhos em inúmeras biografias e documentários, as forças armadas não abrem seus arquivos sobre torturas e execuções nos porões do Doi­_Codi, Dops, Oban, entre outros. Há, portanto, uma zona cinzenta, à luz da frase do pai.

Este entendimento brota das buscas do filho, seu remexer no baú do pai, cheio de latas de filmes em Super_8, a bitola de muitos filmes do “Cinema Marginal” dos anos 60/70, do qual Reichenbach (“Liliam M – Relatório Confidencial”, 1975) foi um dos principais cineastas (Veja “Cinema de Invenção”,de Jairo Ferreira, Editora Max Limonad/Embrafilme, 1986). Arquivo histórico-familiar, os filmes remetem ao que o pai não pretende remexer, para não lhe trazer mais dores e sonhos.

Cadela é sua única amiga

O passado está tão entranhado no pai que sua relação com o mundo exterior se restringe ao conserto do bueiro, ida à praça onde toma o ônibus para seus afazeres cotidianos e passeios com a cachorra Baleia, referência à cadela de “Vidas Secas” (1962), que Nelson Pereira dos Santos adaptou da novela homônima de Graciliano Ramos. É com ela que ele convive, se relaciona, não com o filho. Seu fechar para o mundo exterior, restringindo seu movimento aos cômodos do sobrado, reflete seu desnorteamento.

Há ainda a descontinuidade entre a geração do filho e do pai. André não se desnuda, não se sabe em que está envolvido, apenas voltou, reencontrou o pai e tenta desvendar o passado do irmão e talvez do pai. Aparentemente, não é engajado, militante, daí talvez o pai o ignore _ os liames entre eles se romperam. Sua geração perdeu as perspectivas político-ideológicas, não continuando as lutas pelas mudanças radicais da sociedade capitalista, defendidas pelo irmão desaparecido.

O fato de ele não o fazer e a falta de diálogo entre ele e o pai dão o tom deste emblemático “Avantí Popolo”, cujo título remete à palavra de ordem do então PCI (Partido Comunista Italiano): “avante povo”. Wahrman o conduz em andamento lento com planos-sequência fixos, deixando os atores se moverem, mostrando sua integração ao ambiente. Isso ajuda o espectador a compreender o universo de cada um, e mais, expandir os sentidos e captar o distanciamento das gerações.

No entanto, a opção narrativa de Warhman e a estética pontuada pelos tons sombrios tornam o filme árido, exigindo do espectador atenção para metáforas, símbolos e história das lutas político-ideológicas dos anos 60/70. Porém, o fato de abordar um tema ainda espinhoso e urgente lhe dá crédito como autor e, principalmente, por mexer no vespeiro da ditadura civil-militar, cuja força para bloquear informações sobre seus porões ainda persiste, necessitando de pressão para abrir arquivos e verdade.

Avanti Popolo”. Drama/político. Brasil. 2012. 72 minutos. Edição: Fellipe Barbosa, Ricardo Alves Jr. Fotografia: Rodrigo Pastoriza. Música, roteiro, direção: Michael Warhman. Elenco: André Gatti, Carlos Reichenbach.

Festival de Roma 2012: Melhor Filme,

Festival de Brasília 2013: Melhor Diretor, Prêmio da Crítica, Melhor Coadjuvante (Carlos Reichenbach).

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