A derrota imperialista na Síria

Como todos acompanharam, apesar da pouca cobertura pelos jornais brasileiros, que a República Árabe Síria realizou eleições democráticas no último dia 3 de junho de 2014, terça-feira. Quase 12 milhões dos 15 milhões de eleitores inscritos, mesmo com intenso boicote dos terroristas e da mídia internacional, compareceram ás urnas e reelegeram o atual presidente, Dr. Bashar Al Assad, como presidente com quase 90% dos votos. Esse é tema que abordarei nesta coluna semanal.

Quero começar transcrevendo um trecho de um comentário de um blog estadunidense do ano passado:

"A Síria reconquistou a própria independência. O mais provável é que, em 2014, Bashar al-Assad seja reeleito presidente da República Árabe Síria. A história síria o recordará para sempre, como governante civilizado e herói do seu povo". Esse trecho foi publicado em 14/9/2013, no artigo "Uma breve história da guerra dos EUA contra a Síria: 2006-2014" no Blog Moon of Alabama, EUA e Traduzido pela equipe da Vila Vudu.

(http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/09/uma-breve-historia-da-guerra-dos-eua.html)

Em meus artigos sobre a Síria também mencionei isso muitas vezes. Mesmo nos momentos de maiores dificuldades, de amplo financiamento de mercenários terroristas que falsamente se apresentam como “islâmicos”, nunca duvidei que o exército sírio, sob o comando da liderança presidencial do Partido Baath e seus aliados (governam a Síria desde 1963 em uma frente ampla, integrada inclusive pelos dois partidos comunistas existentes no país), venceriam a guerra.

É claro, o conflito não está terminado. No entanto, a primeira eleição direta para presidente (o sistema é de parlamentarismo misto e o presidente sempre era indicado pelo parlamento, como é na Alemanha, Itália, Cuba, China e tantos outros países que não realizam eleições diretas). Em meio ao conflito onde o país é agredido a partir de terroristas de mais de 80 países, uma nova constituição foi votada e referendada pelo povo em 2012, instituindo a eleição direta.

Como já divulgamos aqui no Vermelho, três candidatos disputaram as eleições. Quero apresentar aqui os dados e resultados:

Eleitores aptos – 15.875.575
Votantes – 11.634.412 (73,42%)
Brancos e Nulos – 442.108 (3,8%)

Bashar Al Assad – 10.000.319 (88,7% dos válidos)
Hassan Nouri – 500.279 (4,3%)
Maher Hajjar – 372.301 (3,2%).

Dois comentários fundamentais: no Brasil, desde a adoção do voto eletrônico, votos nulos mais brancos ficam em 10% do eleitorado votante. Portanto na Síria, foi duas vezes e meia menor. O segundo, é que nas eleições sírias o voto é facultativo, como na maioria dos países. Não conheço nenhum país que tenha conseguido mais de 505 de comparecimento (as dos EUA, do Egito, da Venezuela). Lá eles atingem mais de 73%. Uma vitória do governo e do presidente.

Ainda que vá comentar mais à frente esses resultados, quero deixar registrado minha indignação pessoal da forma como a rede Globo comentou as eleições síria em seu decadente Jornal Nacional. O apresentador e editor chefe do jornal, William Bonner abre a manchete do tema com a frase: “O ditador sírio Bashar Al Assad venceu as eleições contestadas pela oposição”.

Aqui dois comentários. Se é “ditador” quem tem quase 90% dos votos válidos de um povo, o que seria então democracia na opinião desses senhores globais? O segundo comentário é sobre a oposição. A qual ele se refere? Aos que vivem em Paris, Istambul e Londres, que constam na folha de pagamento da CIA e outras agências de espionagem menos famosas? Ou aos que, de armas na mão, financiados pelo imperialismo, praticam terrorismo contra o povo sírio?

O jornalismo global reverbera o que o império e seus jornalões escrevem. E criou-se dois consensos na mídia internacional, que, muitas vezes, contagia inclusive, pessoas mais esclarecidas. O primeiro é de que “as eleições são um obstáculo para a democracia real” (sic). E o segundo que “as eleições irão contribuir para a continuidade da guerra civil” (sic) – Chossudovsky, em Global Research, Canadá.

Onde já se viu eleições atrapalhar a consolidação de uma democracia. E ademais, nunca vi eleições atrapalhar um processo político em curso, que justamente busca uma solução política para o conflito e não uma solução militar, que na verdade nunca acontecerá, pois até militarmente o imperialismo foi derrotado. Seus terroristas perderam a guerra.

Por fim, registro que uma das poucas brasileiras e brasileiros presentes como observadores nas eleições sírias foi a companheira Socorro Gomes, ex-deputada do PCdoB pelo Pará, atual presidente do CebraPaz e presidente do Conselho Mundial da Paz.

Sinais importantes vindo do Oriente Médio

Quero aqui, como analista e estudioso da cena internacional, listar alguns fatos que, muitas vezes passam desapercebidos ou mesmo quando notados, nem sempre fazemos uma associação como que resolvi escrever no título do artigo, qual seja, o declínio do imperialismo estadunidense, ou como alguns chamam anglo-americano-sionista.

1. Visita do Papa Francisco à Palestina – Todos viram a excepcional atitude de Francisco. Mandou parar o papamóvel, desceu dele, encostou sua cabeça no Muro da Vergonha e orou pedindo a paz. Ele não orou no muro das lamentações judaico, mas exatamente no que separa Israel de todas as outras terras palestinas. Isso é por demais emblemático e muito importante para a luta palestina;

2. Governo de unidade nacional palestina – Finalmente, depois de sete anos separados, o Partido Hamas e a OLP, decidem formar um governo único para administrar a Cisjordânia e Gaza em irão fazer eleições diretas em seis meses. O novo primeiro ministro é Rami Ramdallah;

3. Eleições no Egito – Foi a segunda na história do país. A mídia andou desqualificando como tendo sido baixa participação dos eleitores. Pura falácia. Dos 50 milhões de eleitores inscritos, votaram os mesmos 23 milhões – menos de 50% – que haviam votado quando Mursi – o queridinho do Ocidente – ganhou em 2012. Desta vez, o general Sisi Abdel Fateh venceu as eleições, limpas e democráticas, com astronômicos 96,9%. Isso derruba por terra completamente a tese equivocada de que ele é general golpista sem apoio do povo. Se isso não for apoio popular não sei mais o que é apoio popular. Será muito difícil esse general adotar a mesma posição de subordinação aos EUA que Mubarak adotava. A conferir;

4. Visita do emir do Kuwait ao Irã – Ainda que esse país nunca tenha rompido relações com a República Islâmica do Irã, a visita ocorrida esta semana de Jaber al Ahmad al Sabah à Teerã não é uma simples visita diplomática. Ele hoje preside o Conselho de Cooperação do Golfo, órgão integrado por nove países muito ricos e todas monarquias reacionárias e antiiranianas. Nada ocorre, em política, ao acaso;

5. Família Hariri e Coligação “14 de Março” no Líbano aceitam participar de um governo com o Hezbollah – Esse eu classifico como um dos maiores sinais de que as coisas no mundo árabe e Oriente Médio estão mudando e na linha da perda ampla da sua antes grande influência dos Estados Unidos em toda a região. Ao mesmo tempo que cresce a influência e importância da Rússia e do Irã, assim como da Síria, na região e no chamado “Arco da Resistência”.

Quem perde e quem ganha na Síria

Aqui não há dúvida alguma. O jovem presidente sírio, o médico Dr. Bashar al Assad emerge hoje como o maior líder árabe da região, como o maior estadista e como um comandante em chefe de um exército que logrou vencer um contingente estimado de mais de cem mil mercenários e terroristas altamente armado pelo imperialismo.

Bashar traçou há dois anos um programa de seis pontos, que eram as etapas do processo de transição política que ele conduziria na Síria, mesmo em meio ao cerco de guerra que lhe impuseram, em especial a Turquia, Arábia Saudita, Israel e os EUA, como principais.

Um segundo aspecto é anotar que essas eleições amplamente democráticas e reconhecidas por observadores do mundo inteiro, consolidam e aceleram o processo de conciliação nacional, que o governo vem tentando desde 2011, quando formou uma Mesa de Diálogo Nacional com todos os partidos governistas e oposicionistas (que não pegaram em armas).

As eleições foram fundamentais para mostrar o tamanho real da oposição na Síria. A Interna, que dialoga e repudia operações militares, que reconhece o processo político democrática através das eleições, tem hoje uma força na população de no máximo 10%. A outra oposição, a do exterior que diz conduzir os ataques terroristas, foi reduzida a pó. Isso porque conclamou o completo boicote às eleições e tivemos o mais alto índice de comparecimento em um país que tem o voto como facultativo.

Por fim, a Conferência de Genebra (houve duas delas). Esse processo está morto e completamente enterrado. As eleições sírias foram a pá de cal nisso tudo. A farsa foi desmontada. A odiosa exclusão do Irã do processo e o famigerado reconhecimento de conhecidos terroristas para sentarem à mesa de negociação da paz está praticamente sepultado.

Restam agora aos EUA apenas duas opções. Reconhecer o novo governo sírio, democrático e legítimo ou seguir apoiando ataques terroristas. Acho difícil a primeira opção, até porque Obama entrou em u beco sem saída e durante três anos apenas dizia que “é preciso mudar o regime’ e apostou todas as suas fichas no conflito militar e não na solução política. Hoje, com a estrondosa vitória de Bashar nas urnas, na prática restará seguir com a opção militar.

Nesse sentido, Michel Chossudovsky, a quem reputo hoje ser um dos maiores analistas internacionais da atualidade, está convicto que essa opção pelo reforço de armas, treinamentos e equipamento, bem como inteligência militar aos terroristas é a opção que Obama vai apostar. Ele menciona em seu último artigo Washington planeja operações terroristas na Síria após as Eleições (http://www.globalresearch.ca/is-the-us-planning-a-terrorist-operation-against-syria-on-the-day-of-the-elections/5384768). Acho que ele é bastante enfático, a qual nem sempre estou de acordo, mas apresenta dados, fatos e frases de Obama e Kerry que, de fato, indicam esse caminho.

De minha parte, acho que por mais que o império queira e precise de guerras, as condições vão ficando difíceis. Os sinais são claros, que olha o conjunto, o todo e não a parte, tudo interligado, de que o imperialismo segue decadente. Não está morto, nem se enfraqueceu. A moeda internacional ainda é a que eles imprimem. As suas forças armadas são ainda as maiores do planeta. Mas, os tempos estão mudando. E a Síria está no centro das atenções.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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