Brasil vence o divino pau

Durante muitos anos, as terras apossadas pelo rei de Portugal no Novo Mundo foram chamadas de Ilha de Vera Cruz e Terra de Santa Cruz. Quando, em meados do século XVI, o nome Brasil começou a prevalecer sobre o de Santa Cruz, o cronista Jo&a

Durante muitos anos, as terras apossadas pelo rei de Portugal no Novo Mundo foram chamadas de Ilha de Vera Cruz e Terra de Santa Cruz. Quando, em meados do século XVI, o nome Brasil começou a prevalecer sobre o de Santa Cruz, o cronista João de Barros afirmou ser aquela uma "mudança inspirada pelo demônio, pois a vil madeira que tinge o pano de vermelho não vale o sangue vertido para a nossa salvação". No início dos anos 1600, ao escrever a primeira História do Brasil, frei Vicente do Salvador registrou que, "como o demônio com o sinal da cruz perdeu todo o domínio que tinha sobre os homens, receando perder também o muito que tinha em os desta terra, trabalhou para que se esquecesse o primeiro nome e lhe ficasse o de Brasil, por causa de um pau assim chamado de cor abrasada e vermelha com que tingem panos, que o daquele divino pau, que deu tinta e virtude a todos os sacramentos da Igreja". O nome da colônia portuguesa mudou, mas as capitanias, vilas e grande parte da toponímia continuaram sendo designados por ícones católicos propostos pelos franciscanos, os primeiros religiosos que chegaram à região.
Em 1530 foi enviada ao Brasil a expedição de Martim Afonso de Souza, com os objetivos de explorar a costa, expulsar os franceses e outros que aqui vinham buscar o pau-brasil e estabelecer povoados (como São Vicente e São Paulo). Iniciada a colonização, também começou a escravidão indígena. Muitos colonos, já acostumados com o serviço escravo na corte, obrigaram os índios a trabalhar em suas lavouras. Os padres, interessados em sua catequese, foram contra – preferiam que fossem trazidos negros para cá. Em 1537 foi emitida a bula papal Veritas ipsa, reconhecendo os nativos da nova terra como “verdadeiros homens”, mesmo que não tivessem conhecimento dos ensinamentos de Cristo, para tentar (em vão) colocar algum limite à sanha exploradora e à crueldade dos cristãos portugueses.
Em 1549, D.Tomé de Souza, nomeado o primeiro governador-geral do Brasil, fundou a cidade de Salvador, nome previamente determinado pela Coroa, iniciou a construção de infra-estrutura nas novas terras, concedeu sesmarias e privilégio de engenho. Cabia-lhe, também, promover os serviços religiosos. As concessões eram feitas “em nome do reino, governador e perpétuo administrador da ordem e cavalaria do mestrado de Cristo”. O governador-geral aportou na Bahia em 29 de março e trouxe um pequeno grupo de jesuítas, chefiados pelo padre Manuel da Nóbrega. Em 1550, Leonardo Nunes iniciou os estudos rudimentares de latim no Colégio dos Meninos de Jesus, em São Vicente, dando origem do ensino formal no país. Dois anos depois, desembarcou D. Pedro Fernandes Sardinha, para representar o poder eclesiástico na terra do pau-brasil.

Ainda no século passado, o Vaticano referia-se a este período chamando os portugueses de “povo cristão e missionário” (papa Pio XII) e lembrando a "audácia cristã” que marcou os portugueses para sempre na “história da civilização” (papa João Paulo II). Dos 2 milhões a 5 milhões de habitantes estimados à época do descobrimento, restam hoje pouco mais de 300 mil. É certo que grande parte da população original necessariamente não foi morta por cristãos e nem por causa do cristianismo. Mas esta religião buscou legitimar a ação das expedições exploratórias e exploradoras, que tiveram resultados trágicos. Nas colônias, o cristianismo sacramentou o que Karl Marx chamou de “acumulação primitiva do capital”, como veremos.

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Correção
No artigo “Bíblia adotada nas escolas” escrevi que a USP havia promovido uma palestra de divulgação do desenho inteligente. Quem promoveu a tal palestra foi a Unifesp. A USP não cometeu esse pecado. Peço perdão à instituição e aos leitores pelo erro.

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