O fator “humano” na Guerrilha do Araguaia

Durante os cinco dias da Caravana das Lutas que Construíram o Brasil – da Coluna Prestes à Guerrilha do Araguaia*, ocorrida no Tocantins/Sul do Pará de 16 a 21 de abril de 2014, uma das coisas que mais nos impressionou foi a evidência do “fator humano” nos relatos dos camponeses da região que conviveram com os guerrilheiros. Constatamos in loco que a memória afetiva é implacável. 40px;">

Pode haver algo mais humanamente solidário do que colaborar no nascimento de um novo ser humano? Dificilmente uma mulher se esquece do local, cheiro, cores, sons e principalmente as pessoas que estavam presentes no momento crucial em que dá a luz uma nova vida humana. Dina é lembrada até hoje como “a parteira”.

Quase todos os habitantes locais, vivos à época da Guerrilha, que tivemos a alegria de encontrar durante a Caravana e que se lembram de situações da época, disseram ter conhecido em primeiro lugar a Dina, “aquela que fazia os partos”, depois seguiam os demais, o Murilo “da farmácia”, Joca, “o médico”, Osvaldão, o “gigante de coração terno” e assim sucessivamente. E se a memória racional falhava no relato preciso dos fatos, o fator humano não deixava esquecer o brilho dos olhos dos jovens guerrilheiros. Os camponeses e habitantes locais não sabiam muito bem porque aqueles jovens estavam ali, não tinham dimensão da finalidade revolucionária que os movia, mas guardaram na memória a humanidade dos seus atos.

Pra enfrentar o fator humano, que cativou a população local, de um modo que só os verdadeiros humanistas podem cativar, uma ofensiva tremendamente desumana se instalou nas matas e rios da região à caça dos comunistas que tiveram o desplante de “amar o Brasil por dentro”.

Hoje, 40 anos depois da aniquilação da guerrilha, persiste o rastro de medo e terror instalado pelos militares sobre os guerrilheiros e a população. As pessoas ainda temem falar do assunto, uma espécie de tabu paira na região. E se é à memória afetiva e supremamente humana que se recorre para contar os feitos dos guerrilheiros é à imagem da cruel desumanidade que se resvala para relatar as torturas e agressões dos militares. É a outra face da memória afetiva, a memória da dor sentida na pele e na alma.

Ícone do homem guerrilheiro e revolucionário em todo mundo, médico também, Che Guevara já dizia que “o verdadeiro revolucionário é movido por grandes sentimentos de amor” e que na sua ação sobressai o valor à dignidade humana e a indignação perante as injustiças. O vínculo afetivo e soberanamente humano com a comunidade local se repete nas experiências guerrilheiras que historicamente atravessaram a América Latina de uma ponta à outra ao longo do século 20 e início do século 21. O enfrentamento às elites agrárias, patriarcais e patrimonialistas, assentadas militarmente no poder, aproxima os comunistas e revolucionários de um povo sofrido e a primeira arma em riste é a do amor. Faz-nos lembrar do verso sobre outro empreendimento amorosamente revolucionário:

Quem queria fazer um Brasil sério
Não podia assistir acomodado
O futuro enganchado no passado
O presente perdido, sem futuro
O papel da ternura era tão duro
Que o amor precisava andar armado”**

*Organizada pela União da Juventude Socialista (UJS), Centro de Estudos e Memória da Juventude (CEMJ) e a Fundação Maurício Grabois (FMG), a Caravana das Lutas que Construíram o Brasil – da Coluna Prestes à Guerrilha do Araguaia ocorreu entre os dias 16 e 21 de abril de 2014. Partiu de Palmas, no Tocantins, passando por Xambioá, Santa Cruz dos Martírios/Serra das Andorinhas, São Geraldo e culminou em Marabá, no Sul do Pará, onde se encontrou com a Caravana da Anistia coordenada pela Secretaria Nacional de Justiça e Comissão Nacional da Anistia do Ministério da Justiça. Mais informações sobre a Caravana podem ser encontradas nos links:

http://ujs.org.br/index.php/noticias/diario-do-araguaia-manuscrito-5o-dia-20-de-abril-entendendo-o-pos-guerrilha/

https://www.facebook.com/pages/Lutas-que-constru%C3%ADram-o-Brasil/706338249412331?fref=ts

** Poema de Crispiniano Neto – A Coluna da Esperança – Mossoró – Rio Grande do Norte – 1982

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