"Em Busca de Yara"  Desmontando imposturas

Documentário dos brasileiros Flavio Frederico e Mariana Pamplona resgata a militância de Iara Iavelberg e denuncia as imposturas da ditadura civil-militar de 64

Em princípio o documentário “Em Busca de Iara” poderia ser a trágica epopeia de uma psicóloga, classe média alta, judia, marxista, que se conscientizou da necessidade de mudar os rumos do país, mas se torna, além disso, a desmistificação das imposturas da ditadura civil-militar que “ceifou a vida de sua geração e alienou a que veio a seguir”. São as lúcidas conclusões de Rosa, irmã de Iara Iavelberg (1944/1971), em depoimento à filha cineasta Mariana Pamplona. E a história termina se impondo.

Mesmo centrado na militância de Iara Iavelberg, Mariana Pamplona e seu codiretor Flavio Frederico, procuram desvendar a teia de mentiras com que a ditadura civil-militar envolveu (e ainda envolve) a execução de Iara. Ela se incumbiu do argumento e do roteiro e conduziu entrevistas com Rosa e os tios Samuel e Raul e os que militaram e conviveram com Iara. E deram ao filme outro olhar: a luta dos Iavelberg é igual à de milhares de famílias que ainda lutam para saber o que a ditadura fez a seus filhos, irmãos e irmãs.

Pamplona e Frederico estruturaram o filme partindo da vida familiar de Iara, seu casamento aos 16 anos, a militância estudantil na USP e nas organizações de esquerda Polop (Organização Revolucionária Marxista Política Operária), VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares) e MR8 (Movimento Revolucionário Oito de Outubro), sua estada no Vale do Ribeira, quando conhece o ex-capitão do Exército Carlos Lamarca (1937/1971) e, por fim, em Salvador (BA).

Militância começa na Universidade

Desde o início do filme, os diretores percorrem o trajeto feito por Iara, detendo-se em cada cidade, prédio, ruas e meio rural. Ela vai da luta estudantil à guerrilha urbana, desta ao foquismo (cerco das cidades a partir do campo) no Vale do Ribeira, e termina em Salvador, vítima de uma cilada dos generais. Para confundir os dirigentes e militantes do MR8, eles divulgam sua execução no mesmo dia que a de Lamarca: 17/09/1971. Só muito depois, eles revelam que ela morreu em 20/08/1971, ou seja, 27 dias antes. O que leva o espectador a entender a luta da esquerda para romper o cerco da ditadura civil-militar.

Como a dramaturgia sempre impõe escolhas, o que interessa a Pamplona e Frederico é a história de Iara. Ela se torna mutante, usando vários codinomes, dentre eles, Mariana e Cláudia, como se tornasse outra pessoa para a repressão, os companheiros e vizinhos, sem fugir ao seu “eu”. Esta foi, na verdade, uma “escolha” imposta pelos órgãos subterrâneos dos generais (DOPS, DOI-CODI), que se valiam da censura, da tortura, da execução, para obter informações e tentar liquidar os partidos e organizações de esquerda que lutavam pela redemocratização do país.

E Pamplona e Frederico vão, deste modo, mapeando os passos de Iara até o apartamento 201, de um prédio em Salvador. A nota oficial diz que ela suicidou, com um tiro no peito. Os diretores, após ouvir os vizinhos dela e um perito, desmentem a tramoia dos generais. Ela foi executada com vários tiros, um deles lhe varou o peito, o outro quebrou-lhe o pulso. Porém, o legista pró-ditadura Lamartine Lima insiste em defender seu companheiro legista Charles Pittex, que fez a autópsia dela, dizendo ter Iara disparado contra si mesma.

Mídia golpista é só elogios

A mídia golpista, enquanto tudo isto ocorria, dourava os “anos de coturnos e sangue”. Numa sequência que choca e, ao mesmo tempo, mostra o quanto ela contribuiu para os 21 anos de ditadura civil-militar, um locutor da TV Globo canta louvas aos participantes da Olimpíada do Exército: “Todos vivem bem e felizes (sic)”. E cantores, desfilantes e platéia riem e cantam e batem palmas. A enxurrada de sangue de “O Iluminado” (1980) deveria tragá-los para mostrar o custo de sua efusiva e falseada e encenada euforia.

Euforia que o obstetra baiano transforma em saudade e emoção diante de uma atenta Pamplona. Ele recorda a paciente e amiga como uma pessoa bela e cativante. Iara queria fazer tratamento para ter filhos e num dia se foi e ele não mais a viu. Então as lágrimas rolam e Pamplona também não resiste: chora. Uma sequência e tanto para um filme tenso, cheio de suspense e dor. Faz assim um louvável contraponto aos filmes argentinos que denunciam a ditadura em seu país (1976/1983), com mais frequência que os brasileiros.

Lá são os de ficção, aqui os documentários (“Marighela”, 2013), embora diretores como Sérgio Rezende (“Lamarca””, 1994,”Zuzu Angel”, 2006), e Helvécio Ratton (“Batismo de Sangue”, 2007)) tenham resgatado ficcionalmente a resistência e os resistentes daquele período. Fica a certeza de que a história soterra manipulações e mentiras da burguesia e militares nacionais, subservientes aos interesses dos EUA durante a Guerra Fria (1945/1991), na tentativa de manter o Brasil como seu quintal. Eles, sim, eram e continuam sendo a ameaça para o país avançar.

“Em Busca de Iara”. Documentário. História. Brasil. 2013. 91 minutos. Montagem: Victor Alves Lopes/Flávio Frederico. Trilha Sonora: Jonas Tatit. Fotografia: Carlos André Zalasik. Argumento/roteiro: Mariana Pamplona. Direção: Frederico Pamplona.

(*) Festival É tudo Verdade 2013: Menção Honrosa – Longa-metragem.

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