“Tudo Por Justiça” Situação de risco

A decadência econômica dos EUA, sua influência na vida de dois irmãos proletários e o espaço aberto para o crime organizado sãos os temas deste filme do cineasta Scott Cooper

É bom começar a expor este “Tudo por Justiça” pelo meio. Ele se detém no envolvente encontro do metalúrgico caucasiano Russel Baze (Christian Bale) com a professora afrodescendente Lena (Zoe Saldana), numa velha ponte de ferro, de North Braddock, Pensilvânia. Eles se olham, se tocam, receosos um do outro. Mais ela do que ele, pelo que foi obrigada a fazer durante a ausência dele. Eles não se agridem, se entendem, como adultos. Inexiste por parte de Russel mágoa, seus gestos traduzem perda, enquanto Lena quer apenas que ele entenda o que aconteceu. Continuam a se amar, porém a relação deles nublou-se.

Este entrecho sintetiza a dupla tragédia de Russell: a de ter de remediar a perda de Lena e os conflitos criados pelo irmão caçula Rodney (Casey Affleck). Embora Russell seja o personagem predominante na narrativa, Rodney é mais complexo e emblemático, sente-se traído pelo Governo Bush (2001/2008), que o enviou ao atoleiro da invasão do Iraque. Voltando à North Braddock, ele vive frustrado, cheio de dívidas e sobrevive das lutas arrumadas pelo crime organizado.

É em torno dele que o cineasta Scott Cooper e seu corroteirista Brian Ingelsby montam os entrechos e fazem Russel tentar ajudá-lo. Rodney esperava ser glorificado e recompensado pelo Estado, nada disso veio. Sua sensação é a mesma dos que lutaram no Vietnã (1965/1973) e no Afeganistão (desde 2001). Ao regressar, se vê numa cidadezinha operária, onde a maioria trabalha na usina siderúrgica. E ele diz ao irmão: “O que vou fazer lá, acabar como meu pai?”. Ele prefere ser surrado numa luta de boxe a morrer devagar.

Decadência dita o conflito violento

Cooper tece esta rede de entrechos detalhando cada reação deles ao que um e outro faz. O equilíbrio entre eles é Lena; ela, quando eles entram em conflito, tenta ser compreensiva e evitar o confronto. A ponto de ser o elo entre Russel e seu agora companheiro, o xerife Whesley (Forest Whitaker). No entanto, se os impasses entre os dois irmãos e os chefes do crime organizado John Petty ( Willen Dafoe) e Harlan De Groat (Woody Harrelson) beiram o extermínio, eles são motivados não só pelas frustrações de Rodney, mas, principalmente, pela decadência da cidade.

Eles têm consciência desta encruzilhada. Russel, numa conversa com Lena, justifica o anunciado fechamento da siderúrgica, que transformaria North Braddock numa cidade fantasma, ou seja, uma nova Detroit: “Fica mais barato comprar aço da China do que produzi-lo aqui”. Sua frase reflete a decadência dos EUA e a ascensão da China como segunda potência econômica do planeta. Mas, ao mesmo tempo, põe os chineses como vilões pela perda de competitividade estadunidense. E joga, desta forma, o operariado nativo contra seus companheiros chineses.

Ocorre que o capitalista estadunidense (e não só ele) prefere investir onde o retorno é maior, a fazê-lo em seu país. Não se interessa pelas perdas do proletariado local, sim por seus lucros e dividendos. O inimigo está em casa, não a milhares de quilômetros. Os EUA, enfim, têm um competidor à altura, com escala, qualidade e preço. O proletariado estadunidense deveria unir-se aos congêneres chineses para garantirem o emprego e aumentar sua participação nos altos lucros dos conglomerados internacionais.

Rodney é só vítima

Então, como Cooper deixa o espectador antever, é a decadência econômica de North Braddock, a fragilidade do Estado e a negligência dos policiais que criam os Pettys e DeGroats. Daí advém a violência, a insegurança e a frustração de Rodney e Russel. Petty ainda camufla suas ações explorando um bar, DeGroat, não, como nos velhos faroestes, vive numa região inacessível, onde promove lutas de boxe. Os combates, encenados por Cooper com extremo realismo, traduzem a frustração e o ódio de Rodney e a crueldade de DeGroat, em busca de dinheiro.

A narrativa de Cooper deve muito à estética expressionista ao desenvolvê-la em ambientes sombrios: o predomínio de tons marrons nas casas, as ruas estarem cobertas de pó de minério, os espaços de Petty e DeGroat terem pouca luz. Traduz tanto a decadência quanto o estado psicológico dos personagens. Além disso, Cooper usa a linguagem cinematográfica hollywoodiana de forma criativa: as ações paralelas nas sequências de caça de Russel e seu tio Reed (Sam Shepard) e do confronto de Petty e DeGroat. Através da metáfora que expõe a atitude de Russel diante do cervo em contraposição ao comportamento de Rodney perante DeGroat. Isto definirá as reações futuras do próprio Russsel.

Cooper é cheio de sutilezas, de achados, que se encaixam na narrativa, sem tirar o encanto do espectador. Principalmente quando Russel e Whesley se vêm face a DeGroat. A maneira como ele, Cooper, os faz agir é ambígua. Não se trata de vingança, nem de reparação. Enseja o descrédito na Justiça e a fragilidade de Whesley perante Russel. Eles se tornam cumplices.

“Tudo por Justiça”. (“Out of de furnace”). Drama. EUA/Reino Unido. 2013. 116 minutos. Montagem: David Rosenbloom. Música: Dikon Hinchliffe. Fotografia: Masanobu Takayanagi. Roteiro: Scott Cooper/Brian Ingelsby. Direção: Scott Cooper. Elenco: Christian Bale, Casey Aflleck, Woody Harrelson, Zoe Saldana, Forest Whitaker.

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