Plano Real (1994): o banditismo de Estado no poder

Passaram-se 50 anos do golpe de 1964. Pouco me preocupo se foi civil ou militar ou civil-militar. A problemática não muda e nem tampouco se resolve nossos reais problemas históricos produzindo teses sobre determinados conceitos. Fundou-se em 1964 um regime terrorista de Estado. Porém, o nível de sofisticação deste golpe não chega nem próximo do que se produziu em 1994.

Generais com cara de mal foram trocados por acadêmicos com histórico de esquerda com ternos bem alinhados. A censura aberta foi substituída pela ditadura do pensamento único, pela desqualificação de qualquer um que se pronunciasse sobre temas como desenvolvimento, política industrial e sobre o remédio aplicado ao “combate à inflação”.

A eleição de Collor em 1989 marcou a tomada de poder pelo imperialismo dos gânglios vitais da economia (Banco Central), academia e mídia brasileiras. Collor não foi bem sucedido. A inflação o derrubou, assim como derrubou João Goulart em 1964. Já em 1994 e com a iminência de um governo popular (Lula), o golpe foi melhor sucedido. Durante décadas a inflação se transformou no mote para ganhar às massas populares a adesão para determinados interesses. A campanha contra os males da inflação uniu gregos e troianos, esquerda e direita. Até hoje existem poucos (como Ignacio Rangel em sua época) a denunciar o que realmente está por trás da “conquista da estabilidade monetária”.

A estabilidade monetária comemorada até hoje consagrou a troca dos ganhos proporcionados pela inflação pelo saque direto ao orçamento da União via títulos da dívida pública. A abertura comercial indiscriminada e o arrocho monetário em sua plenitude institucionalizou o banditismo de Estado partindo do próprio Estado. No Brasil a inflação não é somente expressão do ciclo econômico, mas também algo a ser criado sob a pressão de demandas políticas reacionárias: todo dia uma inflação do tomate está na pauta. O ato seguinte é a pressão, seguida de maiores taxas de juros. Os detentores dos títulos da dívida (sistema financeiro e famílias parasitárias) foram uma rede de poder pronta a colocar de joelhos qualquer governo interessado em algum avanço; alguma mudança na orientação macroeconômica.

A “imprensa livre” cumpre um papel nodal. É ela a responsável por invadir a subjetividade popular e empresarial. Cria o clima de terror que inviabiliza o investimento produtivo e aterroriza o povo com ameaças inflacionárias reais e imaginárias. Intentam em paralisar o país. Ao lado do sistema financeiro, da academia e da classe média forma o verdadeiro lumpen, a escória da nação e da pátria. Estão aí, a acumular forças e nos colocar nas cordas. O neoliberalismo é o fascismo de nosso tempo. Subverteram a economia e a política brasileiras, ambas postas a serviço de uma classe que enriquece, manda e desmanda sem produzirem ao menos uma única agulha. São mais competentes e flexíveis do que aqueles que derrubaram Goulart. No fundo são as forças políticas derrotadas pela Revolução de 1930 e que nunca perdoaram Getúlio Vargas pelo fato dele ter existido.

Os neoliberais assaltaram (e assaltam) o Estado Nacional brasileiro. Buscaram o desmonte de todo um aparelho de planejamento voltado a um poderoso capitalismo de Estado surgido no final da década de 1970. Impuseram um tripé macroeconômico que inibe o longo prazo, a expansão da base de oferta de nossa economia. Assim, o único instrumento legítimo de enfrentamento a um sistema oligopolizado de formação de preços fica por conta do binômio juros e câmbio.

Contribui a esse estado de coisas uma ampla parcela da esquerda que se regozija da negação da estratégia, da nação e do próprio valor do desenvolvimento. A década de 1990 foi o momento histórico em que Marx foi reduzido a mero pensador da questão social, uma simples referência bibliográfica para atestar programas de distribuição de renda e, até, de advogado da “estabilidade monetária”. Em nosso campo político e de pensamento, o debate do desenvolvimento foi substituído pela supervalorização de questões relacionadas às relações de produção, sobretudo a “questão democrática”. A negação do desenvolvimento (negação do desenvolvimento das forças produtivas), seja ela da forma que se expressa, é um imperdoável erro político. Pois é imperdoável acreditar que podemos liquidar nosso atraso com relação ao capitalismo central sem crescimento econômico acelerado. É imperdoável crer que a libertação dos trabalhadores possa ocorrer fora dos marcos de uma estratégia nacional de desenvolvimento.

Um tiro no coração da nação foi dado em 1994. Atualmente nosso país passa por sua terceira vaga de desindustrialização desde 1990. Nos últimos dez anos acertamos em distribuir renda, elevando a dignidade de nossa gente. Porém não podemos distribuir o que não produzimos. Eis aí a essência do golpe de 1994, ainda intocada. O acúmulo de forças é um fato real, não uma abstração. Nos esquecemos muitas vezes que sem ideias e sem ousadia intelectual não iremos muito longe. Estaremos condenados a repetir nossos mesmos erros. Fico com Lênin e Clausevitz, pois sem uma boa teoria econômica não vamos muito longe em matéria de prática política. Política é economia feita por outros meios, da mesma forma que a guerra é a política feita por meios especiais.

Como enfrentar esse exército golpista sem estratégia e sem teoria econômica adequada? Continuaremos a fazer política com a ciência os outros? Em outras palavras, acreditaremos, conforme o golpe de 1994 que todo e qualquer investimento deve ser precedido de poupança?

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