Anos que não deixaram saudades

Há 50 anos, nesse dia 31 de março de 2014, a direita brasileira, com patrocínio intelectual e material da CIA – a agência de espionagem americana – derrubava o governo constitucional de João Goulart (Jango) e instituía uma ditadura chefiada por um general do exército como prêmio por terem se prestado ao serviço sujo desses facínoras.

É fundamental que tenhamos presente que o golpe militar foi articulado, tramado e financiado pelas forças reacionárias, Estados Unidos da América à frente, que pretendiam interromper o que eles imaginavam ser a trajetória inexorável do Brasil: a adesão aos fundamentos da sociedade socialista, então em ampla expansão no mundo. Os militares foram o instrumento e as consequências nós todos conhecemos.

Sem apoio popular, uma vez que a esmagadora maioria das entidades sindicais, estudantis e comunitárias – além das associações de cabos e soldados das forças armadas – apoiavam o governo e pressionavam por mudanças ainda mais radicais, a direita recorreu ao quartel para materializar o seu projeto, que incluía, no extremo, na hipótese de resistência prolongada, até mesmo a dilaceração do país enquanto nação a partir da separação do estado de minas gerais que seria “protegido” pelos Estados Unidos da América.

Contou com o concurso de boa parte dos meios de comunicação, da igreja, da burguesia local e de setores conservadores das forças armadas. A partir dessa base social e de uma bem articulada campanha de terror midiático inspirada na teoria nazista de que “repita uma mentira mil vezes que ela vira verdade”, a direita semeou o terror. Era preciso, segundo ela argumentava, parar o “avanço do comunismo” sob pena de se perder o emprego, a mulher, os filhos e todos os seus bens, que passariam à propriedade do estado. Adicionalmente uma bem articulada campanha procurava apresentar o governo como um bando de ladrões que estavam a saquear os cofres públicos. Os escândalos reais ou imaginários eram a matéria prima do dia a dia, fabricados de acordo com a conveniência da CIA e de seus sabujos brasileiros. E o pior é que teve muita gente, até mesmo gente simples do povo, que acreditou. E apoiaram o golpe. E a ditadura militar se impôs, com uma violência física, moral e intelectual que até hoje, 50 anos depois, ainda não nos recuperamos integralmente.

Contou para esse desfecho também, não secundarizemos isso, a atitude fraca do governo e naturalmente a falta de convicção politica e ideológica do então presidente Jango. Entregar um governo sem resistência, sem luta, sob a falso hipótese de evitar derramamento de sangue, dá bem a dimensão do caráter do então presidente.

Não se evitou o sangue, que correu a solta nas ruas, nas prisões – onde centenas de brasileiros perderam a vida – e principalmente nas matas do Araguaia, onde os nossos camaradas que ali combatiam foram covardemente executados sem que lhes assegurassem sequer um sepultamento honroso, quanto mais um julgamento justo. O povo sofreu duramente pela falta de liberdade, de oportunidades e em especial pela falta de esperança na construção do seu próprio mundo, como se incapaz fosse de tomar as suas próprias decisões.

Senti na própria pele a fúria da ditadura. Duas vezes demitido (da Fundação Sesp e do INPA) sob a risível acusação de ser subversivo, experimentei o amargor de ser proibido de trabalhar em órgãos públicos, direito que só recuperei 3 anos após o fim da ditadura militar – melhor seria chamar ditadura da direita fascista. Com esforço e persistência o povo reconquistou importantes espaços democráticos, que novamente estão sob ameaça. Não percamos isso de vista, sob pena de novamente ver esse espetáculo degradante se rearticular fingindo que estão interessados em combater a corrupção no Brasil, que ao que tudo indica, foi a única falsa bandeira que restou as viúvas da ditadura militar.

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