Devagar com a inovação porque com gente é diferente

Outro dia li que uma engenhoca eletrônica permitia sessões de psicanálise à distância, via internet. Pelo skipe. Analista e paciente dispensam o contato pessoal, direto, olhos nos olhos. Se dá certo, tenho cá minhas dúvidas – emoções via internet não é a mesma coisa. Isso acontece nos EUA, onde se pensa que a tecnologia tudo resolve. Inclusive as dores da alma.
 

Pois também é da terra do Tio Sam que surge outra novidade do tipo. Uma escola de negócios do Texas utiliza um livro eletrônico capaz de informar, em tempo real, se o aluno está mesmo lendo o que lhe foi determinado. A notícia, naturalmente difundida pela internet, registra que o livro "percebe" quando o estudante pula uma página, não lê um trecho, esquece de sublinhar uma passagem a ser destacada.

Se um grupo de colegas resolver "colar" partes do texto, uma espécie de consórcio destinado a ludibriar o professor, o tal livro eletrônico descobre – e avisa – na hora!

Supondo que essa tecnologia funcione conforme anunciado, assim mesmo tenho cá minhas dúvidas sobre o seu alcance pedagógico. O aprendizado não pode ser bitolado eletronicamente, como jamais pôde ser pelos variados meios de coação precedentes – da palmatória ao constrangimento da prova oral em público, passando por castigos como fazer o aluno relapso ajoelhar-se sobre caroços de milho diante da turma.

Ainda muito pequeno e desejoso de melhorar meu aprendizado para além do que me proporcionava o grupo escolar Mascarenhas Homem, no bairro da Lagoa Seca, em Natal, tanto pedi que consegui que minha mãe me matriculasse nas aulas do professor Dagmar, proferidas à noite, para turma eclética – crianças e adultos numa única sala, diante do mesmo conteúdo. Ao final da noite tinha uma arguição – assim chamada solenemente pelo professor – em que uma pergunta era feita e de um a um os alunos eram chamados a responder. Se o primeiro acertasse, a pergunta mudava; mas a coisa ia até o último da sala.

Jamais esqueci da noite em que o professor queria saber o nome da capital do Líbano e precisamente toda a turma não soube responder. A palmatória comeu no centro e todos foram para casa com a mão direita ardendo. Eu inclusive. Para jamais esquecer onde fica Beirute.

Voltando à engenhoca da escola do Texas. Ainda segundo a notícia, alguns alunos conseguiram distorcer as funções de sublinhar e fazer anotações, e com isso deram um jeito de melhorar sua pontuação. Como evitar isso é o desafio de cientistas que querem de todo jeito enquadrar a inteligência e a emoção das pessoas.

Sem nenhum preconceito com os avanços da ciência e o incremento de novas tecnologias em qualquer esfera da vida, confesso que torço contra. Ou seja: que não haja mecanismo que dobre a criatividade humana individual, em carne e osso e ao vivo. Afinal, o ser humano tem o direito de pensar como deseja e de recusar imposições de qualquer ordem – inclusive essa, do aprendizado forçado e rigorosamente fiscalizado por via eletrônica.

A vida ensina – e nada de verdadeiramente importante se aprende sem a emoção da descoberta e da liberdade da escolha.

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