Padrão Dólar-Flexível e a estratégia imperialista na Ásia

Como é de praxe em todo começo de ano, analistas de vários matizes fazem projeções sobre as possíveis tendências da economia mundial. Sobre esse tema as maiores preocupações estão mais uma vez direcionadas à economia norte-americana. No centro das discuss

Essa situação coloca em evidência o extraordinário poder do Fed e vai de encontro à tese do iminente colapso do dólar e a sua substituição por outra moeda forte. No geral, o que alimenta a suposição do hard landing do dólar é o crescente endividamento norte-americano em razão dos déficits em conta-corrente e fiscal (déficits gêmeos).



A respeito dessa questão é necessário lembrar que no atual sistema monetário internacional (“dólar-flexível”), diferente dos sistemas anteriores baseados nos padrões ouro-libra e ouro-dólar, a capacidade de endividamento dos Estados Unidos é gigantesca, pelo simples motivo de que seu déficit é financiado pela sua própria moeda. Além disso, como desde 1971 quando o Acordo de Bretton Woods foi rompido, o dólar não é mais conversível em ouro, os Estados Unidos podem, segundo seus interesses, variar a paridade do dólar em relação às moedas dos outros países através da simples manipulação das taxas de juros (2). Isto significa que a aceitação do dólar como reserva universal de valor do sistema não se sustenta pela sua capacidade de manter seu valor estável como nos padrões monetários anteriores, mas sim pela possibilidade de acesso ao seu mercado financeiro, o mais profundo e líquido, no qual “os títulos da dívida pública americana são vistos como refúgio seguro nos momentos em que a confiança dos investidores glo
bais é abalada” (3).



É esse poder sobre os sistemas financeiro e monetário internacional, singular na história do capitalismo, que vem possibilitando os Estados Unidos, até o momento, financiar seu brutal endividamento sem maiores dificuldades; além de alcançar grandes vantagens, porquanto é o único país capaz de aplicar políticas monetária e fiscal atendendo seus objetivos internos sem precisar se preocupar com as flutuações da taxa de câmbio do dólar.



Colocando o Japão de joelhos
Outra característica do atual sistema é a notável capacidade dos Estados Unidos em enquadrar seus principais parceiros. O Japão ilustra isso muito bem. A forte valorização do dólar na primeira metade dos 1980 teve como uma de suas conseqüências a criação de mega-superávits na conta de comércio japonês, em especial com os Estados Unidos. Deste modo, o Japão transformou-se em pouco tempo no maior credor liquido do mundo causado pelo enorme acúmulo de reservas em dólar.



Mas os Estados Unidos não ficaram imóveis à nova posição do Japão e iniciaram uma ofensiva comercial e financeira. Autoridades norte-americanas acusavam o governo japonês de manter um sistema financeiro restrito de forma deliberada para sustentar o iene desvalorizado artificialmente. Assim, em setembro de 1985, no conhecido Acordo do Plaza, ficou decidido que os ministros das Finanças dos principais países capitalistas tomariam medidas em conjunto para forçar a desvalorização do dólar de forma ordenada (4). De tal modo, entre 1985 e 1987, o dólar que era cotado em 240 ienes chegou a ser cotado em 120 ienes (5).



Apesar da forte valorização, o comércio japonês continuou registrando fortes superávits comerciais durante todo os anos 1980. Nesse período o governo japonês resolveu ceder as pressões norte-americanas iniciando um processo de liberalização e desregulamentação do seu sistema financeiro que, entre outras coisas, permitiu que as empresas afetadas pela valorização do iene acelerassem seus investimentos no exterior. Em um curto espaço de tempo, de uma economia fechada, o Japão transformou-se, no final dos anos 1980, no maior investidor internacional. É importante assinalar que a internacionalização do sistema financeiro japonês se deu com a expansão dos investimentos em ativos denominados em dólar e não em iene.



A posição de “superpotência financeira”, como alguns descreviam o Japão, levantou a possibilidade do país dividir a hegemonia mundial com os Estados Unidos ou até mesmo ultrapassa-lo. “Um livro intitulado Japan as number one tornou-se best-seller em ambos os lados do Pacífico” (5). No entanto, a verdade é que desvalorização ordenada do dólar no acordo do Plaza, como afirmou o professor Belluzzo, “colocou de joelho os japoneses”. Durante esse processo criou-se uma febre especulativa nos mercados acionário e de imóveis que desembocaria no início dos anos 1990 no “estouro da bolha” financeira que afundou o Japão numa grave crise interna que durou toda a década. (6).



China “Under Attack”
As pressões levadas a cabo pelo governo norte-americano sobre a China seguem uma estratégia semelhante àquela ocorrida sobre o Japão. Da mesma forma, a China é acusada de concorrência desleal com o argumento de manterem o yuan desvalorizado através da compra de reservas pelo Banco Popular da China (banco central chinês). O anúncio de que as suas reservas em moeda estrangeira ultrapassaram a marca de US$ 1 trilhão, somado à possibilidade de ultrapassar os Estados Unidos e se transformar no segundo maior exportador mundial de mercadorias (atrás apenas da Alemanha) aumentou ainda mais as chantagens por meio de sanções contra as mercadorias chinesas (6).



Apesar das investidas imperiais, a China mantém uma política fiscal expansionista, estrito controle de capitais e o yuan subordinado ao controle do Banco Popular da China. São medidas que contrariam a lógica neoliberal, e que têm contribuindo para manter seu dinamismo e o crescimento acelerado que já dura quase três décadas, uma exceção entre os países em desenvolvimento.



Entretanto, por trás de uma discussão meramente comercial, os Estados Unidos estão preocupados com a possibilidade da China se transformar em um poder regional capaz de afrontar sua hegemonia. Com uma moeda estável e forte crescimento econômico, a China é um exportador liquido para os Estados Unidos e para o Japão, porém, sua balança comercial com a Ásia é deficitária.  Essa posição tem sido fundamental para o crescimento asiático dos últimos anos, ao mesmo tempo em que diminui a dependência dos países asiáticos com o mercado norte-americano (9). Essa condição da China evidentemente traz importantes alterações na geopolítica da região.



O problema para as autoridades dos Estados Unidos é que, ao contrário do Japão, a China não é um protetorado militar. E mais: os chineses até o momento vêm demonstrando disposição inequívoca para defender seus interesses estratégicos. 



Notas
(1) Cf. “EUA devem crescer menos; dólar e déficit em queda”. Business Week. Valor Econômico. Terça, 2 de janeiro de 2007, p.A17.
(2) Cf. SERRANO, Franklin (2002). “Do ouro imóvel ao dólar flexível”. Economia e Sociedade, Campinas, v.11, n.2, pp.237-253, jul./dez.
(3) BELLUZZO, Luiz Gonzaga (1997). Dinheiro e as Transfigurações da Riqueza. In: TAVARES, Maria da Conceição e FIORI, José Luís (org). Poder e Dinheiro: Uma Economia Política da Globalização. Rio de Janeiro: Vozes.
(4) O acordo foi realizado no Plaza Hotel, em Nova Iorque, e reuniu o então G-5, composto pelos ministros das Finanças dos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Japão e França.
(5) TORRES FILHO, Ernani (2000). Japão: da Industrialização Tardia à globalização financeira. In: FIORI, José Luis (org). Estados e Moedas no Desenvolvimento das Nações. Petrópolis, RJ: Vozes.
(6) CHANCELLOR, Edward (2001). Salve-se Quem Puder: Uma História da Especulação Financeira. São Paulo: Companhia das Letras.
(7) BELLUZZO, Luiz Gonzaga (2005). O Inimigo Assusta os Mercados. In: Ensaios sobre o Capitalismo no Século XX. São Paulo: Unesp.
(8) MOREIRA, Assis (2007). “China Exportará mais que os EUA, diz OMC”. Valor Econômico, 16 de janeiro, p.A8.
(9) Cf. MEDEIROS, Carlos Aguiar de (2006). A China como um Duplo Pólo na Economia Mundial e a
Recentralização da Economia Asiática. Revista de Economia Política. Vol.26, nº 3 (103), jul/set.

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