Na terra de Fidel, fome é palavrão

“Se você não for cuidadoso, os jornais terão você odiando as pessoas que estão sendo oprimidas e amando as pessoas que estão fazendo a opressão”. Desde que ouvi pela primeira vez a famosa frase de Malcolm X, percebi o quanto ela se encaixa com justeza em inúmeros exemplos da vida concreta.

Uma dessas situações, sem sobra de dúvidas, diz respeito à ilha de Cuba, vítima de uma sórdida campanha de difamação desde que os guerrilheiros de Sierra Maestra, liderados por Fidel Castro, derrubaram a ditadura de Fulgêncio Batista e deram início a uma Revolução socialista no pequeno país caribenho.

Os fatos derrubam qualquer tentativa de rotular Cuba como um país atrasado e com um povo miserável. Não precisa ser socialista, basta ser intelectualmente honesto e ter empenho em estudar sobre a realidade daquele país a partir de fontes confiáveis para perceber que a realidade é bem diferente daquela retratada pelos grandes meios de comunicação.

Mas é claro que sempre aparecem os reacionários de plantão para apresentarem a conhecida investida: “se gosta tanto de Fidel, então que vá morar em Cuba!” ou coisa do gênero. Usam tanto esse bordão que chego a pensar que eles seriamente acreditam que esse tipo de “argumento” pode ser levado a sério. Seguindo o raciocínio, podemos concluir que se alguém quiser elogiar a França, a Inglaterra ou os EUA (como essa turma adora fazer) também terá que morar nesses países?

O que incomoda as elites nacional e internacional é o fato de que Cuba consegue manter vivo e pulsante um processo revolucionário que já dura 55 anos. Mesmo com bloqueio econômico, tentativas de isolamento diplomático, ataques militares (Playa Girón que o diga) e usando todos os mecanismos sujos e perversos possíveis de boicote, Cuba resiste.

Resiste e ensina ao mundo como construir um modelo de sociedade amparado em valores como a solidariedade, o coletivismo e o respeito. O cubano – dizem – é feito de outro barro, socialista. E essas diferenças ficaram ainda mais evidentes para nós, brasileiros, quando milhares de médicos daquela ilha desembarcaram em nosso país através do programa “Mais Médicos”. O contraste entre a formação humanitária dos cubanos e a formação mercadológica dos “doutores” brasileiros tornou-se evidentemente brutal, ao ponto da população, inicialmente dividida com a ideia, passar a apoiar esmagadoramente a iniciativa do governo federal.

O Brasil, diga-se de passagem, é uma nação gigante, com inúmeras riquezas naturais, relações comerciais livres com todos os países do mundo e possui um povo extremamente trabalhador. É o maior PIB da América Latina e o sétimo maior do planeta. Tem todas as condições, portanto, de assegurar ao seu povo uma vida digna e plena em direitos. Entretanto, ainda estamos muito longe de alcançar esse objetivo, mesmo com os avanços registrados na última década.

Em todos os setores fundamentais, Cuba dá de dez a zero no Brasil. Lá a educação é pública, de qualidade e assegurada a todos os cubanos em todos os níveis – das creches ao doutorado. Por aqui, quem manda na educação é o setor privado (mais de 70% dos universitários estão em Universidades Pagas), que faz o que quer e praticamente não conta com nenhuma regulamentação e fiscalização sérias. Na terra de Fidel, o analfabetismo foi zerado. No Brasil, 8,7% da população ainda não sabe ler nem escrever, segundo dados da Pnad 2012.

A saúde pública cubana é reconhecida mundialmente como uma das melhores do mundo. A taxa de mortalidade infantil, de 4,6 para cada mil nascidos, é a menor das Américas (incluindo EUA e Canadá), enquanto que no Brasil essa taxa é de 15,6 para cada mil, de acordo com o IBGE. São 6,4 médicos por mil habitantes em Cuba, contra 1,8 para cada mil no Brasil e a expectativa de vida dos cubanos também é maior do que a dos brasileiros (77,9 anos contra 73,44 em 2011, segundo dados do Banco Mundial).

Além disso, não há moradores de rua em Cuba e há anos o país convive com taxas de pleno emprego. Realidade bem distinta da brasileira, onde pessoas vivendo em miséria absoluta ainda fazem parte da nossa realidade e apenas recentemente conseguimos reduzir o desemprego a níveis aceitáveis.

E não, esses dados não são extraídos apenas a partir do estudo e da pesquisa, mas também da experiência que tivemos ao visitar Cuba entre abril e maio de 2013. Durante as semanas de nossa estadia, ficamos hospedados no distrito de La Lisa, um dos mais afastados do centro de Havana, mas muito diferente da periferia brasileira. Por lá, mesmo nos bairros mais distantes e nas cidades do interior não faltam escolas, postos de saúde, espaços de recreação, etc.

Foi assim que conhecemos o sistema de transporte público de Havana, planejado de forma a atender toda a cidade e cuja tarifa é simbólica (o equivalente a dois centavos de real). A prioridade ao transporte coletivo em detrimento do privado faz com que a capital cubana, mesmo com seus 2,4 milhões de habitantes, não tenha engarrafamentos nem nos horários de maior movimento.

E salta aos olhos os índices de violência quase zerados de Cuba, especialmente para quem está acostumado com a ausência de segurança pública das grandes cidades brasileiras. Mesmo em Havana, maior cidade do país, quase não ocorrem assaltos à mão armada e muito menos homicídios, e as pessoas podem caminhar tranquilamente a qualquer horário do dia e da noite, no centro e na periferia, como fizemos.

Conversamos livremente com cidadãos cubanos sobre todos os assuntos possíveis, inclusive política, e dessa forma constatamos o altíssimo nível intelectual desse povo (resultado da qualidade do sistema educacional) e o apoio da imensa maioria ao processo revolucionário. Ainda assim, escutamos críticas, como a de um taxista que “malhou” Fidel e o governo cubano, o que fez com que perguntássemos a nós mesmos: “curiosa essa ditadura, em que uma pessoa se sente à vontade pra criticar seu governo na frente de estrangeiros desconhecidos”.

Também andamos por diversos lugares de Havana e de outras cidades cubanas, e em nenhum momento fomos impedidos de fazê-lo ou tivemos nosso “direito de ir e vir” questionado por qualquer autoridade.

Uma realidade, portanto, bem diferente daquela pintada nas matérias da grande mídia nacional e internacional. E estranho seria se fosse diferente: a imprensa, afinal, tem lado nessa disputa ideológica.

Cuba tem limitações, algumas causadas pelo cerco econômico e político imposto pelos EUA e outras pela necessidade da atualização constante do seu modelo socialista, corrigindo as naturais imperfeições. Mas o que faz essa pequena ilha do Caribe ser tão superior a uma nação com tantas potencialidades como o Brasil quando o assunto é educação, saúde, emprego, moradia, transporte público, segurança e outros direitos sociais?

O fato é que, em nossas terras, ainda fala mais alto os interesses do capital, que por sua vez não tem nenhuma disposição em abrir mão dos seus privilégios em benefício da construção de uma sociedade mais justa.

Enquanto isso, muitos ainda não entendem por que e como Cuba mantém-se de pé, mesmo com tantas adversidades. A resposta pode ser encontrada no próprio povo cubano – aquele feito com outro barro – e em seu espírito solidário, revolucionário e, principalmente, convicto de que rumo quer seguir.

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