Vivido e curtido para todos os efeitos

No ônibus que transporta os passageiros da pista do aeroporto à entrada do setor de desembarque, em Brasília, o jovem me oferece, respeitosamente, o assento. Recuso agradecido. Ele insiste. Volto a recusar. Ele então dispara o argumento definitivo: – Faço questão, senhor, sempre cedo o lugar aos idosos

Idoso!? Logo eu que ignoro a contagem das décadas vividas e me vingo vivendo mais ainda, intensamente, tive que me render à deferência e me aboletei ao lado de um gordo nem tão idoso assim, mas em evidente desvantagem em relação mim no quesito disposição para a guerra. O dito cujo, em sua exuberância de paquiderme, exibia enfado de despertar inveja no mais radical dos preguiçosos.

Pois bem. No caminho para o hotel meu ingresso oficial na terceira idade não me saiu da mente. Bem que o jovem educado não errara. Mais gente tem me tratado assim – e não é de agora. Imagens de igual veredicto foram se revezando como em videoteipe.

– Gosto de ver essa energia. Você ficou um velho entusiasmado – sapecou outro dia uma amiga, em meio a uma conversa sobre planos futuros.

– Puxa vida, eu escutando você falar sobre as teses do 13º. Congresso do Partido e pensando: ah se esse cara só tivesse 40 anos!, arrematou um militante de Igarassu. E quando acusei o golpe perguntando se me achava tão gasto assim, tentou um remendo ainda pior: – Não, camarada, você está em forma; e se tomar mel de abelha rainha vai viver mais quarenta anos!

Tudo bem que eu acredite que ainda tenho muita estrada pela frente, animado com o aumento da expectativa de vida do brasileiro, mas mel de abelha rainha é de lascar.

Tem mais. Uma tarde fui tratado como "tio" por um vendedor da Livraria Saraiva, no shopping Recife, um marmanjo magricela de evidentes quarenta e tantos anos. E ao comentar a desfeita com Luci, já transpondo a cancela do estacionamento, o danado de um flanelinha gritou a súplica:

– Vai 1 real aí, vô?

Realmente, não há o que fazer senão me conformar e alimentar a autoestima guardando na memória o enxerimento de eleitoras ousadas durante caminhadas na última campanha eleitoral:

– O vice é coroa, mas dá pro gasto, ora se dá!

Já no quarto do hotel, não resisti e me olhei ao espelho para conferir o estado da arte do velho animado, que ainda dá pro gasto e pode ser turbinado com o mel de abelha rainha. Enquanto constatava o óbvio – como faço todas as manhãs ao fazer a barba e botar um mínimo de ordem nos cabelos irremediavelmente rebeldes, vi-me recitando em silêncio os versos de Cora Coralina: “Não te deixes destruir…/Ajuntando novas pedras/e construindo novos poemas./Recria tua vida, sempre, sempre./Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.”

Paciência. O jeito é tocar a vida com a chama da esperança e a inesgotável energia militante, ao invés de me deter na contemplação das rugas, marcas do tempo vivido.

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