Software livre é soberania política

“Era seu destino perecerem, quando a cidade cincundasse o grande cavalo de madeira…para trazer aos Troianos a morte e o destino.”
A Odisseia – Homero
 

O estratagema de Ulisses para conquistar Tróia saiu da narrativa literária para a narrativa histórica e se transformou ao longo dos séculos. A revelação do programa de espionagem dos EUA, pelo ex-agente da NSA (ou CIA), Edward Snowden, demonstra que o mito do cavalo troiano se reproduz milhões de vezes em cada aparelho de comunicação do planeta.

As implicações práticas dessa espionagem, na esfera individual, resultam em difamação, sequestro e/ou assassinato dos considerados como inimigos do império. Diariamente há relatos dos inocentes atingidos por essa política. São os “efeitos colaterais” ou genericamente denominados “terroristas” sem qualquer prova ou julgamento. Essa prática é anunciada fartamente pela mídia e pela faceta cultural mais conhecida dos estadunidenses no mundo: o cinema.

Mas é para os Estados soberanos que a ameaça é muito maior por envolver o destino de milhões de pessoas e pela possibilidade dos EUA poderem prejudicar a economia, a política e a defesa militar com as informações obtidas pelo seu “Big Brother”.

O assustador é saber que empresas como Microsoft, Google, Facebook, Apple, entre outras, colaboram com a invasão eletrônica capitaneada pelo governo da águia. Navegadores, rede social, editor de texto, hd's, celulares, tudo pode ser rastreado com o apoio dessas empresas.

A partir desse fato, é urgentente o investimento em plataformas próprias baseadas em software livre. As áreas de infraestrutura, comunicação, economia e militar não podem depender de empresas que, apesar de propagandear a livre concorrência, em última instância, são fiéis ao governo de sua matriz, no caso, os EUA.

Nesse contexto de pirataria de informações, não faz sentido, por exemplo, a atitude do governo do Paraná que acaba de interromper um promissor desenvolvimento de tecnologia própria na área de software livre para assinar um contrato com a Microsoft. O governo tucano desrespeita a legislação estadual e a equipe da Celepar que é responsável pela produção de soluções tecnológicas com especialistas do funcionalismo público.

Terceirizou, para um país concorrente, um trabalho que é estratégico. Todas as informações sobre produção, técnicas e estrutura do Estado do Paraná passarão por máquinas potencialmente abertas à espionagem. Lembremos que por ser grande produtor agropecuário, os produtores paranaenses influenciam na balança comercial do país. Certamente os interesses dos paranaenses não são os mesmos de Bill Gates e nem da Casa Branca.

Não é segredo que Microsoft e suas irmãs são tão simpáticas como Francis Drake, pirata a serviço da coroa inglesa, que afundava navios espanhóis no século XVI, mas agia como se fosse desvinculado de qualquer governo.

A coerência, por outro lado, está na CPI proposta pela senadora do PC do B, Vanessa Grazziontin, que deve ir além de saber quem foi espionado. É importante saber como, com ajuda de quem e com quais ferramentas e empresas isso foi possível. Em um amplo sentido, a parlamentar pode se tornar a amazona que possibilitará o controle do cavalo de tróia que invade as instâncias governamentais e os aparelhos de telecomunicações em território brasileiro.

Paralelamente, o governo federal não pode ser refém de uma tecnologia a serviço de uma nação belicista e desleal. Para que as relações diplomáticas, comerciais e militares tenham equilíbrio, é necessário imediato financiamento de polos tecnológicos para desenvolvimento de programas, baseados em software livre, nas universidades e forças armadas. O discurso firme mostra nossa disposição de não aceitar ingerência nos assuntos nacionais mas são as ações que efetivam essa atitude.

Já existem iniciativas, por parte do governo federal, de oferecer acesso a serviços e tecnologia software livre na área de educação e atendimento ao público. Mas há a necessidade de construir uma cultura massiva no uso e desenvolvimento dessa plataforma a partir das escolas por meio de cursos, concursos, financiamento, encontros, exposições, enfim, preparar quem se relaciona dioturnamente com o uso de tecnologia – os jovens estudantes.

E, ao contrário do que muita gente pensa, a maioria das pessoas já usam software livre para navegar na internet e nos telefones – Google e Android são programas baseados em linux. É seu uso que precisa ser compreendido e protegido por ações do Estado na área de defesa eletrônica e, ao mesmo tempo, a adoção de uma legislação que priorize o software livre produzido no país.

Uma outra frente, é o fim da exclusividade dos EUA como centro de toda rede mundial de internet. Isso só é possível com uma diplomacia soberana e multipolar. Neste campo, as discussões já foram iniciadas antes das revelações de Snowden.

Por fim, já que navegar é preciso, que o governo federal reproduza a ousadia aplicada à indústria naval. O Brasil precisa criar seus próprios componentes eletrônicos e aumentar a participação na produção de softwares. China, Rússia, Equador, em diferentes momentos e contextos já trilham esse caminho.

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