As rãs em busca de um rei

Os recentes protestos e manifestações ocorridos pelo país surpreenderam o governo, os partidos e as organizações populares. A disputa pelos corações e mentes dos manifestantes ainda não tem vencedores. A chamada das entidades sindicais, que marcaram atos para 11 de julho, é o caminho ousado e necessário para fazer o governo Dilma avançar. Ao mesmo tempo, convém avançar nas análises sobre o que ocorreu no mês de junho.


 

Todos os interessados nos rumos que o Brasil deve adotar se debruçam sobre o tema. Há os que caem em contradição flagrante, como um afamado comentarista da Globo. Há os que apresentam a debate pontos de vista ponderados, como a filósofa Marilena Chauí. No final de 1945, Graciliano Ramos – o escritor que está sendo homenageado na Festa Literária Internacional de Paraty – fez uma breve intervenção numa reunião do Partido Comunista do Brasil, ao qual era filiado, que surpreende pela gama de aspectos que continuam atuais. 

Ele iniciou seu pronunciamento com uma referência a uma fábula de Esopo em que as rãs pediam um rei. Nela, as rãs, descontentes com a situação em que viviam, pedem a Júpiter que lhes arranje um rei. Em resposta, Júpiter joga um toco de árvore no lago onde elas vivem. As rãs se assustam, mas ficam esperando algum gesto do rei enviado. Como o toco não se mexe, pedem outro rei ao seu deus. Mas Júpiter se irrita com a reincidência do pedido, manda-lhes uma cegonha, que começa a devorá-las, e as repreende: “Andai para loucas, já que vos não contentastes do primeiro rei, sofrei esse, que tanto me pedistes”.

Em sua fala, Graciliano compara manifestações de grupos dominantes contra a Constituinte, então defendida pelo Partido Comunista e outras organizações democráticas, com o pedido das rãs: “Fatigaram-se depressa da liberdade precária ultimamente conseguida e ora suspiram, ora se esgoelam por um governo rijo que estabeleça ordem na lagoa. Liberdade bem precária, isto facilmente se percebe (…)”.

Em seguida, queixa-se dos jornais que passaram a “agredir sujeitos sérios, dizer deles, com justiça ou sem justiça, cobras e lagartos. Consideramos isso, bem erradamente, vantagem nossa e nem investigamos a razão de certos ataques”.

Continua, o escritor alagoano: “As rãs estão pedindo um rei. Praticamente é um rei que elas desejam. De outra forma, não se compreenderia esse horror à Constituinte (…). E aí notaremos que uma palavra, conforme o ambiente onde é empregada, pode traduzir conceitos diversos. A Constituinte defendida por proprietários gordos e de boa figura diverge da Constituinte em que operários magros e canhestros ousam entender representar-se”.

O final da intervenção do artista comunista pode ser aplicado às trapalhadas do comentarista global: “Seria demasiado esperarmos rigor e lógica de certos espíritos, mas na verdade essas trapalhices nos assustam. (…) Nenhuma consulta à nação, apenas o lugar-comum badalado por muito reacionário que agora se disfarça, muda a camisa e a linguagem”.

Para conhecer esse e outros textos de Graciliano, leia Garranchos, organização de textos inéditos feita por Thiago Mio Salla, Editora Record, 2012

Para conhecer a abordagem da filósofa Marilena Chauí sobre os protestos recentes, siga este link:
http://www.teoriaedebate.org.br/materias/nacional/manifestacoes-de-junho-de-2013-na-cidade-de-sao-paulo?page=full

Para conhecer as contradições do analista global, siga este link:
http://www.youtube.com/watch?v=aS7LmKld_mE

Para ler a fábula do Esopo, siga este link:
http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/fabulas.html#31

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