Recados das Ruas

Tirante as festas populares, como a do Senhor do Bonfim, em Salvador, o Círio de Nazaré, em Belém, os carnavais e tantas outras, fazia tempo que o Brasil não via tanta gente nas ruas. Dados oficiais informam que nas capitais de 12 estados, mais DF e cidades do interior, perto de 300 mil pessoas foram às ruas na segunda-feira.

O mais impressionante é que nenhuma liderança, partido político, entidade sindical ou estudantil pode se arvorar a promotor do movimento. A mobilização se dá por meio das redes sociais na internet, no boca a boca, nas rodas de amigos, de escolas, de trabalho. Uma mobilização espontânea e pacífica. Vontade de gritar.

Ficou claro, em todas elas, o completo descrédito dos governos, instâncias ditas representativas, tribunais, partidos políticos, políticos e mesmo das agremiações estudantis e sindicais.

Os recados, porém, estão mais do que dados. Em São Paulo, Rio e DF, por exemplo, o mote principal foi o protesto contra o preço das passagens e pela melhoria dos transportes públicos. Uma luta em defesa da mobilidade urbana, pois.

Mas, em todos os locais, foram dezenas de bandeiras levantadas. Os gastos com os estádios construídos em várias capitais estiveram, de igual modo, no centro dos protestos, especialmente em Brasília. Junto, vem o clamor contra a corrupção, caracterizada pelo desvio de dinheiro público.

Em Salvador, um simples chamamento em solidariedade aos agredidos pela polícia em São Paulo levou 12 mil pessoas às ruas. Mas, também ali, a imobilidade urbana acabou virando mote, com a reivindicação do passe-livre para estudantes. O mesmo tema foi o que mobilizou outras 15 mil em Belém.

Neste campo, a esperança é de que essas manifestações acordem os governantes, especialmente os prefeitos. Já tem um ano e pouco que foi aprovada pelo Congresso, por pressão popular, e sancionada pela presidente Dilma Rousseff, a Lei da Mobilidade Urbana.
É um instrumento fruto de décadas de debates e de estudos técnicos de excelente qualidade. Pela lei, as cidades com mais de 20 mil habitantes terão que fazer seus planos de mobilidade, por exemplo.

A implantação desta lei, no entanto, tropeça nos mesmos empecilhos que a matriz dela, que é o Estatuto das Cidades, em vigor há 12 anos, mas ainda sem os resultados que se esperava.
Interesses econômicos, especialmente do setor imobiliário, acabam prevalecendo e a lei não sai do papel. A prioridade que deve ser dada ao pedestre, ao ciclista e ao transporte público esbarra nesses interesses e parece que todos vivem felizes com a mania do automóvel.

Fica evidente que a situação chegou a um ponto que tinha que explodir. É este, talvez, o maior recado das manifestações.

A imobilidade virou problema mesmo para os que andam de carro particular, pois não encontram vagas para estacionar, ou pagam fortunas por elas, precisam se proteger dos larápios e por aí vai. Sem falar no tempo de deslocamento. As 8 horas diárias de trabalho viram até 14 por causa dos deslocamentos.

Mas o automóvel é a coqueluche da nova classe média e tem um bocado de isenções de impostos e incentivos que o transporte público não tem.

Assim, a maioria da população fica de fora, andando em ônibus emporcalhados, mambembes, superlotados, demorados e caros. Pesquisas recentes revelam que 75% dos usuários de transportes públicos ganham menos de um salário e meio. Qualquer centavo faz diferença, portanto.

Mas é possível ter transporte eficiente e barato. Mesmo que isso seja feito com subsídios e isenções. Ou coberto pela receita de pedágios e taxas cobradas de quem não quiser abrir mão do carro particular.

O fato é que o povo está nas ruas, numa demonstração de que a democracia brasileira está mais do que madura. É gente de todo lado, de todas as idades e condição socioeconômica, em manifestações essencialmente pacíficas.

Tem havido, aqui e acolá, incidentes que quase tiram o norte da jornada. Mas são atos de minorias de arruaceiros, ou de gente interessada no quanto pior, melhor. No Rio de Janeiro, por exemplo, onde 100 mil pessoas estavam nas ruas, apenas umas 300 chamaram a atenção por invadir a sede da Assembleia Legislativa,.

Há, contudo, um outro grande recado. É o da descrença generalizada nas instituições. Nas grandes universidades brasileiras existe a mobilização dos estudantes, mas de um modo geral com finalidades específicas, desvinculadas de partidos e agremiações políticas.

Na Universidade de Brasília (UnB), cujo movimento estudantil tem longa tradição de inserção nas questões nacionais, o DCE está nas mãos de um grupo de cunho direitista, chamado Aliança pela Liberdade. Sua principal bandeira é a segurança policial no campus, pra proteger principalmente os automóveis de alunos.

Se as manifestações vão ganhar vulto, tomar outras cidades e outras instâncias, ainda não se sabe. O fato é que é visível a simpatia geral pelo movimento. Daí, sua força.

Não se trata tampouco de mobilização de cunho revolucionário, de tomada do Estado brasileiro. Apenas traz poderosos recados. Quem quiser, que ouça.

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