A Amazônia de La Condamine

No artigo anterior resenhei as impressões de Frei Gaspar de Carvajal sobre a Amazônia. Prossigo, dentro da série “a Amazônia vista por estrangeiros”, registrando as impressões de Charles-Marie de La Condamine, expressas em Viagem na América Meridional descendo o rio das Amazonas, quando de sua expedição a partir de 1735.

La Condamine veio oficialmente a Amazônia a serviço da Academia de Ciências de Paris para determinar com precisão os meridianos e assim demonstrar que a terra era achatada nos pólos, tendo um aspecto de “abobora” e não de esfera como se acreditava. Fez isso com precisão, o que certamente em muito contribuiu com a ciência.

Mas La Condamine, a exemplo de todos os estrangeiros que passaram os olhos na Amazônia, não deixou de registrar minuciosamente a exuberância da região e o que efetivamente lhes interessava: os recursos naturais economicamente conversíveis.

A observação minuciosa dos imensos rios, a carga de preconceitos contra os nativos (genericamente chamados índios), a busca incessante por minérios, especiarias diversas, plantas medicinais, peixes e uma arvore especial que dava leite, do qual se fazia uma goma elástica, foi sempre uma fixação de todos o que por aqui passaram na condição de cientistas, religiosos, militares, mandatários ou simples aventureiros. La Condamine não fugiu a regra.

Encanta-se naturalmente com a exuberância da região, registra ainda uma grande população indígena e diferente de outros cientistas que reduziram as Amazonas a lenda, ele se inclina pela veracidade do relato de Carvajal que primeiro registrou esse fato.

Sobre os nativos ele inicia corretamente destacando que os homens originários da América meridional são inapropriadamente chamados de “índios”, evidenciando que tinha clareza que estava diante de diversas etnias distintas, o que até hoje não é adequadamente compreendido. Diz ele: “não se trata de criolos espanhóis ou portugueses, nem das diversas espécies de homens produzidos pela mestiçagem dos brancos na Europa, dos negros d’África, e dos vermelhos da América, desde que os europeus aí entraram, e aí introduziram os pretos da Guiné. São trigueiros e de cor avermelhada, mais ou menos clara”.

Mas em seguida aflora o preconceito europeu, sugerindo que todos os índios tinham um mesmo fundo de caráter: “glutões até a voracidade, quanto têm de que saciar-se; sóbrios quando a necessidade os obriga a se privarem de tudo sem parecerem nada desejar; pusilânimes ao excesso, se a embriaguez os não transporta; inimigos do trabalho, indiferentes a toda ambição de glória, honra ou reconhecimento; unicamente ocupados das coisas presentes, e por elas sempre determinados; sem a preocupação do futuro; incapazes de previdência e reflexão; entregues, quando nada os molesta, a brincadeiras pueris, que manifestam por saltos e gargalhadas sem objeto nem desígnio”.

La Condamine simplesmente procurava transportar para os povos que viviam na Amazônia, os valores, as referências da Europa, como se estas fossem uma espécie de bíblia social e econômica que todos deveriam seguir como, aliás, pensavam e agiam os religiosos que procuravam converter todos os “selvagens” em cristãos.

Afora suas opiniões e descrições variadas de plantas e espécies faunísticas, sua atenção maior foi precisamente sobre a borracha, caucho, ou goma elástica como era conhecida pelos Omáguas e já mencionada no relatório de Frei Gaspar de Carvajal.

É de sua lavra, portanto, a primeira descrição detalhada da borracha (por ele chamada de caucho) que mais tarde faria a fortuna de alguns, a morte de muitos e a ilusão de fausto de que tantos falaram.
Fez a descrição na região do alto Solimões. A resina chamada “caucho” nos países da província de Quito vizinhos do mar é também comuníssima nas margens do Maranon, e tem a mesma utilidade.

Quando ela está fresca, dá-se-lhe com moldes a forma que se quer; ela é impenetrável à chuva, mas o que a torna digna de nota é a sua grande elasticidade. Fazem-se com elas garrafas que não são friáveis, e botas, e bolas ocas, que se achatam quando se apertam, mas que retornam a sua primitiva forma desde que livres.

Os portugueses do Pará aprenderam com os omáguas a fazer com essa substância umas bombas ou seringas que não necessitam de pistão: têm a forma de pêras ocas, com um pequeno buraco em uma das extremidades a que se adapta uma cânula. Enchem-se d’água, e, apertando-se quando estão cheias, fazem o efeito de uma seringa ordinária. Tal utensílio é de grande emprego entre os omáguas. Quando eles se reúnem para alguma festa sua, o dono da casa não deixa de apresentar uma por polidez a cada convidado, e seu uso precede sempre entre eles as refeições de cerimônia.

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