Tendências da grande crise capitalista. Transe civilizacional (I)

Quatro episódios auxiliam a desenvolver a análise de impasses importantes no atual desenvolvimento da grande crise capitalista. E o seu descambar evidente rumo ao abismo da chamada civilização anglo-saxã…

Primeiro, a desmoralização dos economistas Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart, que fraudaram números e inventaram contas mirabolantes para justificar a tese da relação da dívida pública (superior a 90% do PIB) implicando em baixo crescimento econômico. O casal – pego com os trajes íntimos nos tornozelos por três economistas da Massachussetts Amherst -, certamente tencionava dar mais munição à fuzilaria dos banqueiros sobre os trabalhadores europeus e norte-americanos chutados para a sarjeta do desemprego e à demolição das políticas públicas. É (quase) inacreditável a persistência do cinismo desses criadores da fraude – em matéria de “desenvolvimentos” teóricos econômicos neoclássicos – neoliberal. Pouco lhes importa aonde vai o porrete irracional da racionalidade (autóctone) do regime do capital.

Segundo, essa irracionalidade foi cabalmente expressa nada menos por alguém chamado Paul Volcker. Em entrevista que antecedeu sua participação no “II World Economy and Brazil”, organizado pela FGV Projetos e pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, Volcker foi explícito: “É algo infeliz e até vergonhoso que, quase três anos depois da aprovação da lei, várias das regulações não tenham sido implementadas”, numa referência a lei Dodd-Frank, suposta reforma da regulamentação do setor bancário dos EUA, aprovada em 2010, da qual a “regra de Volcker” faz parte. A tal “regra” proibiria os bancos de operações especulativas com o seu capital, ter fundos de hedge e de curto prazo.

O grandalhão da grande finança americana acusa inúmeras agencias que não concordam “a respeito de qualquer coisa”; assim como haver “discussões intermináveis sobre os detalhes”. Mas Volcker, um dos grandes ideólogos da economia do império não consegue deixar escapar: “há questões inacabadas em derivativos e outras partes da legislação” – isto é, o filet mignon da farra especulativa sofreu sequer uma mordida! (ver: Valor Econômico, 15/05/2013).

Terceiro, convivem hoje tanto o cinismo alimentador da crueldade irracional capitalista, quanto a desfaçatez de Volcker em acusar “agencias” ao invés de nomear a ditadura feroz dos banqueiros lavadores de dinheiro do narcotráfico e do grande contrabando de armas, declarados lobistas contra qualquer tipo de “regulamentação” do sistema financeiro. Na verdade, já foi sobejamente denunciado o processo de apodrecimento que atravessa o sistema financeiro e bancário e que o fenômeno acompanhou o avanço da “globalização financeira”.

Por exemplo: a norte-americana Global Witness redescobriu que a capacidade para esconder dinheiro em paraísos fiscais depende de bancos que aceitem dinheiro sujo e empresas que ajudem os ricos, bem articulados e corruptos. A partir da divulgação da longa pesquisa do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, sigla em inglês), entretanto a G.W. chegou a seguinte conclusão: a lavagem de dinheiro e o sigilo financeiro não ocorrem apenas em paraísos ficais; Estados Unidos, Reino Unido e outros centros financeiros importantes estão no centro da articulação; “bancos britânicos, norte-americanos e europeus são rotineiramente repreendidos (mas raramente processados) por lidar com recursos provenientes do crime”, descreve Gavin Hyman, citando o caso do HSBC, quem permitiu que os cartéis de drogas mexicanos lavassem centenas de milhões de dólares por meio do sistema financeiro dos EUA, fato revelado em 2012 (em: “Segredos e mentiras financeiras”, Valor Econômico, 31/05/2013).

Quarto, mentiras deslavadas e às toneladas que passaram a ser rotina nos EUA, país cuja decadência é incontestável. Aliás, num contundente e grave artigo (“A verdade não é relevante. Só os objetivos são importantes"), o ex-editor do “Wall Street Journal” e também ex-sub-secretário da Fazenda de Reagan, o economista e escritor Paul Craig não mede as palavras. Nele, Craig acusa de fraude e farsa – baseado em depoimentos de cientistas -, tanto os relatos de encenação governamentais do “11 de Setembro”, como os dos recentes episódios envolvendo a maratona de Boston. Ademais, numa narrativa impressionante, Craig ridiculariza as ilusões do espalhafatoso dissidente chinês Chen Guangcheng – um “deslumbrado com os direitos humanos nos EUA” – a quem o próprio governo da China outorgou-lhe um salvo conduto para ir aos EUA. Enquanto isso – sublinha Craig -, Julian Assange, após receber asilo politico pelo Equador, “prossegue confinado na embaixada equatoriana em Londres porque Washington não permite a seu Estado títere, o Reino Unido” que autorize seu salvo conduto ao Equador” (em: www.rebelión.org – 25/05/2013).

Paul Craig Roberts afirma ainda que se Guangcheng lesse o livro do soldado Terry Holdbrooks, sobre o tratamento dispensado aos prisioneiros de Guantánamo aprenderia o que são os direitos humanos para os Estados Unidos da América, hoje, com o relatado pelo militar: “A tortura e os métodos de extração de informação que utilizamos certamente criaram muitas dúvidas e perguntas na minha mente sobre se se tratava o não de meus Estados Unidos. Mas quando pensei no que estávamos fazendo ali e como o fazemos, não parecia ser o EUA no qual me alistei para defendê-lo. Não parecia o EUA no que cresci. E essa em si foi uma experiência muito frustrante” (idem).

(continua).

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