Lady malvadeza, baronesa da miséria dos pobres

No dia 17 de abril Sua Alteza Real e Imperial, Elisabeth, segunda desse nome, saiu do costumeiro banho de formol para acompanhar o enterro de Margaret Thatcher, a dama que ferrou a classe operária britânica para gáudio dos milionários e outros reacionários.

Era ministra da Educação (1970-74) quando tomou a primeira iniciativa que lhe valeu a admiração dos abutres da alta finança londrina: aboliu o leite escolar para as crianças entre 7 e 11 anos. Como diria Roberto Campos, um dos grandes precursores brasileiros do neoliberalismo, leite não é para quem quer, é para quem pode. Mostrando entretanto que a british ruling class não é totalmente empedernida, a ministra consentiu em que crianças abaixo de 7 anos recebessem 1/3 de copo de leite por dia.

Em 1979, logo ao assumir a chefia do governo britânico, Thatcher adotou a política econômica preconizada por Hayek, que já tinha sido experimentalmente aplicada no Chile pelos chamados "Chicago-boys" a serviço da ditadura militar-fascista do general Pinochet. Pensando neles, dizia-se, com razão, que “da Escola de Chicago, quem matou menos foi Al Capone". Conhecemos bem as palavras chave dessa contra revolução burguesa: privatização, terceirização, desemprego, sucateamento do patrimônio público, subordinação do interesse coletivo à lógica antropofágica do capital, supressão de direitos trabalhistas básicos etc.

Naquele mesmo ano, em discurso eleitoral, a primeira-ministra acusou “os russos” de querer “dominar o mundo” e advertiu que eles estavam “rapidamente adquirindo os meios para se tornar a mais poderosa nação imperial que o mundo já viu”. Sem medo do ridículo, ela acrescentou que “os homens do Politburo soviético” “colocam as armas antes da manteiga, enquanto nós colocamos quase tudo antes das armas”. O Politburo tinha defeitos, mas jamais cometeu a calhordice de confiscar o leite dos filhos do proletariado.

Na primeira metade dos anos 1980, dois feitos de armas moldaram seu prestígio. O primeiro, em 1982, foi a reconquista do arquipélago das Malvinas, que os bucaneiros da Marinha britânica, comandados por um certo Onslow, havia roubado à Argentina em 1833. O fato de que a tentativa de recuperar à força o arquipélago tenha sido empreendida por um regime de generais torturadores não anula o caráter colonial da presença britânica. A crueldade de Thatcher com os pobres já era notória. Menos óbvia era a repugnante hipocrisia que mostrou ao apresentar o contra-ataque da Marinha britânica como resposta de um país democrático a uma ditadura militar. Mais tarde ficou comprovado que além de Reagan, o grande auxiliar de sua exitosa contraofensiva foi Pinochet, canalha entre os ditadores militares mais canalhas, porque apunhalou os vizinhos argentinos para servir o colonialismo de uma potência europeia.

Os laços da abominável megera inglesa com o carniceiro maldito de Santiago, que já tinha inspirado sua política econômica, estreitaram-se mais. Em 1999, quando este estava detido em Londres, esperando o julgamento do pedido de extradição do governo espanhol, ela foi visitá-lo. Não era mais primeira-ministra, mas tinha sido promovida a baronesa pela decrépita monarquia local. Durante a visita, ela teve o despudor de agradecer seu amigo “for bringing democracy to Chile”. Não deixa de ser instrutivo: Lady Malvadeza entende por democracia aquilo que Pinochet fez no Chile.

Sua maior vitória bélica ocorreu, entretanto, na guerra de classes, em solo inglês. No início de março de 1984, exasperados com a deterioração constante de suas condições de vida e de trabalho, após várias paralizações parciais, os mineiros do carvão lançaram uma greve nacional, com apoio do National Union of Minerworkers (NUM), um dos maiores e mais combativos sindicatos do movimento operário britânico. Principal fonte de energia da Revolução Industrial, grande motor da economia britânica, a extração de carvão se tornara, após dois séculos, uma atividade em decadência.

Quando começou a greve, havia 186 minas e 170.000 operários do carvão na Inglaterra. Decidida a quebrar a coluna vertebral do sindicalismo, a amiga de Pinochet tratou a greve como uma questão de polícia, classificando seus dirigentes de “the enemy within”. (Um livro com este título documenta os sórdidos métodos repressivos empregados contra os grevistas). Os mineiros lutaram bravamente durante um ano, até 1985. Chegaram a montar piquetes de 10.000 militantes, que enfrentaram aguerrido dispositivo de 20.000 policiais. Lady Malvadeza não cedeu um milímetro: seu objetivo não era negociar, mas aniquilar. Sobraram hoje na Inglaterra 4 poços empregando 2.000 mineiros. Um articulista de The Guardian tirou a conclusão que se impunha num artigo sobre o amaldiçoado legado da Baronesa:

“Thatcher expôs a áspera fronteira da divisão de classes na Grã-Bretanha e a greve de 1984/5 foi um choque tanto de valores quanto a respeito do fechamento dos poços. Arthur Scargill (o principal dirigente da greve) e os mineiros representaram a única oposição à primeira ministra e seus valores destrutivos e discriminatórios e, após a greve, o caminho ficou aberto para a mais agressiva política neoliberal. Thatcher e Reagan facilitaram uma colossal transferência de riqueza dos pobres para os ricos, levando a economia mundial ao “crash” que estamos testemunhando”.

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