Morte e sobrevida do comandante bolivariano

Estamos cansados de saber que todos os homens são mortais, mas sofremos um choque muito forte quando a morte golpeia um personagem da estatura de Chávez, finalmente vencido, após longa agonia, por um câncer tenaz, num momento em que sua presença na linha de frente das transformações sociais em curso na Venezuela era mais necessária do que nunca.

Ninguém é insubstituível, mas homens como ele são tremendamente difíceis de substituir. Foi o que Evo Morales, visivelmente emocionado, expressou em palavras simples: estamos “dolidos”, “destrozados”.

A vida do grande Comandante bolivariano não foi longa, mas a força material e moral das massas populares que se puseram em movimento em 2002 para derrotar a contra revolução e garantir seu governo, garantirá também certamente sua sobrevida na memória coletiva. Essa sobrevida se anuncia, sem surpresa, tão carregada de combates quanto foi sua vida.
Maneira negativa, mas segura, de avaliar o alcance social de uma revolução é observar o ódio que ela suscita nos ricaços cujos interesses ela afetou. Em Miami, onde se concentra, desde a revolução cubana, a escória da burguesia contra revolucionária latino-americana, milhares de imigrados venezuelanos saíram em desfile comemorando ruidosamente a morte de Chávez. Paulo Coelho, que a direita nunca acusou de ser de esquerda, comentou concisa e incisivamente aquela alegria indecente: “Chávez morreu e há gente que se alegra? Caçoar da dor alheira só demonstra a pobreza e miséria humana”.

Difícil saber, entre os que verbalizaram sua própria miséria moral a propósito da morte de Chávez, qual a mais sórdida, a cafajestice da burguesia de Miami ou a insolência de The Economist. Esse órgão central da finança imperialista é herdeiro mental e material dos flibusteiros e outros bandidos que acumularam enormes fortunas com o tráfico de escravos no Atlântico até resolverem proibi-lo no século 19 e dos crápulas colonialistas que com sanha genocida inundaram a China com o ópio que produziam em suas plantações do Afeganistão. A despeito de ser herdeira de tanta imundície moral, a revista sente-se à vontade, com inexcedível arrogância britânica, para acusar Hugo Chávez de ter deixado um legado “podre”, usando a renda do petróleo para "comprar votos" através de programas sociais.

Para os agentes do capital financeiro, o exemplo da boa gestão é dado pela Arábia Saudita e Emirados: a porção mais substancial da renda auferida na exportação de petróleo sustenta a indecente opulência dos potentados locais, que investem na compra de palácios, hotéis do mais alto luxo em Londres et em Paris, distribuindo migalhas à população. Chávez e Ahmadinejad acabaram com essa depravação em seus países. Donde o ódio que suscitam no cartel da Otan e seus vassalos.

Na mediática pro-imperialista operando no Brasil, o páreo foi duro para ver quem cravava o alfinete mais envenenado no legado do Comandante da revolução venezuelana. Os profundinhos de plantão usaram todo o estoque de caracterizações pejorativas de que dispunham: populista, autocrata, ditador, caudilho, totalitário etc. Sem surpresa, porém Veja ganhou a taça da baixaria cripto-fascista.

O colunista Azevedo, da tropa de choque dessa revista, cunhou embaixo de uma fotografia de chefes de Estado presentes à homenagem fúnebre a frase: “Ex-ditador, atual cadáver e futura múmia. Mas procria!”. Não sei se o Azevedo se dá conta, mas é grande a proximidade ideológica dos admiradores de seu “blog” com os leitores do Völkischer Beobachter, o mais forte jornal da Alemanha de 1933 a 1945.

Comparações históricas à parte, é só olhar o “blog” da Veja para ver como essa gente vai fundo na abominação. Difícil saber quantos são os que arreganham os dentes diante do espectro de Chávez. Sejam quantos forem, enquadram-se entre os que Jean Paul Sartre chamava “sales bourgeois”.

Não acho que a melhor homenagem que se pode prestar a Chávez seja embalsamá-lo. Cansei de ver múmias em museus, inclusive no do Cairo, onde são abundantes. Não me entusiasmaram. Os embalsamados que me cativaram são os que compõem o esplêndido Museu de História Natural de La Plata. Mas não há, entre as inúmeras espécies lá exibidas, exemplares do homo sapiens sapiens. Neoliberais e criptofascistas debocharam da ideia (discutível) de embalsamar o corpo do Comandante bolivariano, mas o que mais lhes acende a sanha raivosa é saber que ele não precisa disso para perenizar sua memória.

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