A ira de Marcelo Gleiser contra os materialistas

O professor Marcelo Gleiser, que tem se destacado na difusão da ciência, publicou um irado artigo (Ateísmo radical, Folha de S. Paulo, 26/11/2006) contra o cientista britânico Richard Dawkins, criticando e desqualificando a campanha que este r

Num antigo sucesso chamado “Discussão”, Tom Jobim e Vinícius de Moraes deploravam quem “quer ver prevalecer a opinião sobre a razão – Não pode ser, não pode ser”. Mas é o que Gleiser pretende. Ele é professor de Física e Astronomia do Dartmouth College, nos Estados Unidos, e no livro “A Dança do Universo – dos Mitos de Criação ao Big-Bang”, busca uma conciliação, ou pelo menos evitar o enfrentamento, entre ciência e religião. Não é um posicionamento isolado no mundo atual. Stephen Jay Gould, biólogo evolucionário falecido em 2002, tentou, no seu último livro, “Pilares do Tempo”, conciliar ciência e religião, no que foi duramente criticado por Dawkins, que defende a razão contra a opinião.



Os fundadores da concepção materialista dialética da história, Karl Marx e Friedrich Engels, e seu principal continuador no século passado, Vladmir Lenin, não só faziam análises descartando qualquer possibilidade de existência de um “outro mundo” ou universo além daquele em que vivemos, como analisaram a origem e o papel das religiões e combatiam a visão e influência conservadora que elas disseminam. É claro que desmascarar as pseudociências e as crendices, estejam ou não organizadas em religiões, realizem ou não cultos excêntricos, inspirem ou não atentados criminosos, é uma questão de responsabilidade pessoal. Mas quando um professor conceituado se vale do espaço que tem nos meios de comunicação para atacar os que indicam os malefícios causados pelas seitas – como faz Gleiser contra Dawkins –, é necessário analisar e debater o seu ponto de vista.



Inúmeras pesquisas científicas são obstaculizadas pela ação das religiões organizadas. Doentes e neuróticos não procuram terapias eficientes levados pela fé cega em  “alternativas” e curandeirismo pregados pelas mais variadas seitas. É necessário desfazer a confusão de crédulos sobre o que é e o que não é conhecimento científico para não deixá-los presas ainda mais dóceis de charlatães e indefesos diante das manipulações políticas e ideológicas.



A reação impera em todas as direções – econômica, política, ideológica. A importância da teoria filosófica, do materialismo histórico e dialético, para o movimento operário e popular deve ser diuturnamente reafirmada, em meio ao predomínio do obscurantismo e da reação. É uma leviandade deixar a população – e o proletariado, diriam os fundadores do marxismo – ideologicamente desarmada. É uma responsabilidade de organizações revolucionárias marxistas o contrapor-se às teorias idealistas e demonstrar que a religião é a forma mais primária e grosseira do idealismo objetivo.



A religião e as crendices têm sido incensadas como “realização suprema” do espírito humano, caminho único para a “paz interior”. Fazendo coro com esse pensamento dominante, Gleiser diz que o grande erro de  Dawkins “é negar a necessidade que a maioria absoluta das pessoas tem de associar uma dimensão espiritual às suas vidas”. E não deixa de esgrimir contra o “materialismo dialético dos comunistas, em que tudo é atribuído a causas materiais”.



A revitalização da mística religiosa influencia a ciência, a literatura, a arte, o comportamento. Lenin chegou a caracterizar o misticismo “como disfarce de um estado de espírito contra-revolucionário”. E, realmente, fazer referência, hoje, ao materialismo dialético parece heresia, coisa de velhos revolucionários dogmáticos ou – paradoxo à parte, revolucionários conservadores… Mesmo marxistas ideologicamente vacilantes tratam de contemporizar com as concepções idealistas e místicas, a pretexto de “não contrariar o povo”.



Cabe interpretar à luz do materialismo dialético as novas descobertas da ciência nos mais variados campos. A luta na frente filosófica integra a luta contra o oportunismo – seja de direita, seja de esquerda. Velhas verdades, nada superficiais, precisam ser reafirmadas, como a de que materialismo e idealismo são campos opostos e que o idealismo é um instrumento da luta das classes dominantes contra o progresso da ciência e da sociedade. Lênin escreveu todo um livro, “Materialismo e empirocriticismo”, para combater “a tolerância mesquinha, filistéia, pusilânime, para com a doutrina dos duendes, dos elfos, dos santos católicos e outras coisas semelhantes”. Dawkins não é marxista – e também ele critica o materialismo dialético. Mas seus livros e artigos contra os efeitos nocivos da religião são um alerta que merece ser divulgado – assim como fazia Carl Sagan, que não calava sua voz diante deste mundo “assombrado por demônios”.

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