A ressurreição do Jeca Tatu

A questão agrária (e agrícola) no Brasil precisa ser atualizada com urgência. É preocupante perceber que, de uma hora para outra, o avanço progressista das forças produtivas no campo passou a ser alvo da crítica mais feroz e insana de boa parte dos movimentos sociais e de setores da arena política democrática e popular no país.

Fundamental recorrer aos clássicos para, baseado na teoria marxista, perceber que não interessa às forças progressistas endossar o discurso daqueles que pregam o retorno da agricultura da pedra lascada, apartada das grandes inovações tecnológicas e avessa à grande produção em escala.

Ao contrário do que disse o precipitado Pero Vaz de Caminha, em nosso país, sem recursos técnicos apropriados, em se plantando quase nada dá. Temos um dos solos mais intemperizados, ácidos e limitantes em nutrientes do mundo. Além do mais, estamos inseridos em uma faixa de latitude que nos proporciona dias curtos (menos tempo de incidência dos raios solares, fundamental para a realização da fotossíntese). Como se não bastasse, por termos um clima tropical predominante (altas temperaturas e umidade) a ocorrência de pragas e doenças variadas é muito maior que em países onde prevalece o clima temperado (EUA e Europa, por exemplo).

E diferentemente dos países desenvolvidos, o agricultor brasileiro padece com a falta de infraestrutura necessária para se produzir, distribuir e comercializar seus produtos com eficiência. Caminha, em 1500, não dispunha destas informações e, portanto, merece nossa escusa. Já em 2012, há uma infinidade de dados e documentos disponíveis que não permite, quem quer que seja, justificar qualquer tipo de equívoco desta magnitude.

É por isso, entre outros fatores mais, que o uso de defensivos químicos (equivocada e maldosamente generalizados como “agrotóxicos”) em nosso país tropical é maior. É por isso que não podemos prescindir de uma correção de solo, com o uso de calcário, para diminuir a acidez dos solos (aumentar o pH) e nem abrir mão do uso de fertilizantes químicos. É por isso que precisamos intensificar o uso do solo explorando a segunda safra (safrinha) que vai permitir o aumento da renda diferencial no campo, para fazermos frente ao mercado internacional. É por isso que o verdadeiro celeiro do mundo são os Estados Unidos e não o Brasil. É por isso que não podemos ressuscitar o Jeca Tatu, com o risco de fazer Monteiro Lobato revirar no túmulo e a agricultura moderna sucumbir.

Mas os apologistas da agricultura de subsistência, os mesmos que atuam contra o avanço da técnica no campo demonizando o glifosato, nada se pronunciam para combater as técnicas mais degradantes que forçam, principalmente o pequeno produtor rural, em pleno século XXI, a garantir o seu sustento na base da enxada, da foice e do facão (certamente um dos trabalhos mais insalubres existentes na face da Terra).

Nada contra a agricultura orgânica, pois mesmo comprovadamente não tendo valor nutritivo maior que os alimentos produzidos com técnicas convencionais, ainda assim apresentam-se como um próspero nicho de mercado para pequenos agricultores que podem disputar uma fatia importante de consumidores com maior poder aquisitivo, disposto a comprar alimentos produzidos de uma forma dita “natural”. Entretanto, as forças políticas progressistas precisam defender também a grande agricultura moderna, responsável por feitos extraordinários e sendo a única capaz de alimentar bilhões de pessoas com alimentos relativamente baratos e diversificados, além de disponibilizar tantas outras matérias primas vitais para a humanidade, tais como fibras, combustíveis, forragens e medicamentos. Produzir carboidrato não é difícil, mas fornecer proteína para toda a população mundial sem tecnologia avançada é impossível.

Precisamos voltar a ler autores como Karl Marx, Vladimir Lênin e Karl Kautsky, todos eles grandes entusiastas do desenvolvimento das forças produtivas no campo e opositores daquilo que costumavam chamar de “resquícios do feudalismo no campo”.

 
Agronegócio não é sinônimo de latifúndio, ruralismo ou qualquer outra conotação pejorativa de cunho reacionário. Pelo contrário, deve ser um dos objetivos a ser perseguido por todos os que se dedicam a atividade agrícola. Não são os socialistas que defendem o atraso. Se alguém sente saudade do Jeca Tatu, que o busque na literatura, pois no mundo real esse personagem precisa ser calçado o quanto antes.
As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor