A estética do capital

Minha primeira impressão ao ler o grande escritor José de Alencar não foi das melhores. Fui apresentado à obra do romancista que narrou “a virgem dos lábios de mel” através de uma tarefa dada por uma saudosa professora de português, que exigiu da turma a leitura comentada de um dos dois romances (ou histórias, como prefere o autor) escritos por Alencar: “Cinco minutos” ou “A Viuvinha”.

Escolhi o primeiro, por razões óbvias, imaginando que me bastaria cinco minutos para dar cabo à minha tarefa. Ledo engano: passei mais de cinco dias refletindo sobre os preconceitos de classe marcados pela pena do jovem José de Alencar.

Passado muito tempo desde essa primeira leitura, hoje levo em consideração vários fatores que, se não se justificam, ao menos atenuam as convicções aristocratas do filho de senador José de Alencar, entre eles o contexto histórico em que viveu.

Ocorre que o personagem principal da história se apaixona por uma jovem rica, sem ao menos ter visto seu rosto, bem ao estilo do romantismo da época. A partir daí, pede a Deus, literalmente, para que a moça não seja feia. Em uma parte do livro diz o seguinte: “Com efeito, uma mulher de distinção, uma mulher de alma elevada, se fosse feia, não dava sua mão a beijar um homem que podia repeli-la quando a conhecesse; não se expunha ao escárnio e ao desprezo”. Abranda, a favor de Alencar, o fato de esta narração ter se passado há mais de 150 anos. Inadmissível mesmo é o que ocorre hoje em dia.

Na atualidade, o desprezo pelos “feios” adquire proporções descomunais. O patronato exige “boa aparência” para se contratar. Os grandes meios de comunicação, além de promoverem cada vez mais o culto à beleza dos ricos, passam agora a insultar a fealdade dos pobres. É comum vermos expressões bizarras de festas onde se tinha “muita gente bonita” sendo pronunciadas abertamente, para milhões de brasileiros.

Essa gente feia que se referem é a maioria do povo brasileiro que, não tendo dinheiro para gastar em cabeleireiros, roupas caras, manicures, plásticas, depilações, perfumes, cosméticos, maquiagens, spas, silicones, e toda sorte de recauchutagens e artifícios que custam muito caro e movimentam a poderosa indústria da beleza, está cada vez mais sendo posta à margem, subtraída de sua autoestima elementar, em uma sociedade que prefere valorizar a aparência em detrimento da essência. Cinco minutos não bastam para se embelezarem os ricos. Já os trabalhadores não têm tempo para tanta cerimônia, pois precisam vender sua força de trabalho em jornadas de trabalho extenuantes que definham a carne e subtrai qualquer traço estético mais jovial.

Assim, a sociedade vai incorporando esses valores preconceituosos, que insulta a nossa bela gente miscigenada, trabalhadora e segregada por não ter acesso aos “esquadrões da moda” e serem despejadas das “casas bonitas” da vida.

Feio mesmo é esse capitalismo, capaz de mercantilizar a beleza, botar os “feios” para servirem os “belos” e ainda por cima insultar a todos muito além do Romantismo do jovem José de Alencar.

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