Teoria e prática: a tragédia das águas

Como a ciência nos ensina a vida só pode se multiplicar na presença de agua e calor, elementos que por existirem em abundância na Amazônia a tornaram historicamente cobiçada. Mas a agua indispensável à vida é a mesma que no momento é responsável pelo estado de calamidade pública em mais de 50% dos municípios amazonenses, com as consequências sociais e econômicas que tal fenômeno impõe.

Acabo de retornar de uma viagem de trabalho pela calha dos rios Purus e Juruá, com a presença do governador, vice-governador, de outros secretários de estado, senadores (as), deputados federais e estaduais, cujo objetivo era não apenas identificar os problemas, mas tomar medidas práticas que pudessem aliviar a dor, o sofrimento e as perdas materiais dos milhares de ribeirinhos que estão afetados. O governo, com apoio do governo federal, vem fazendo a sua parte: disponibilizou recursos, cestas básicas, discute a prorrogação de dividas e a abertura de novas linhas de financiamento para retomar a atividade produtiva. E ainda busca meios de compensar, mesmo que parcialmente, as enormes perdas sofridas pelos produtores.

As cenas são trágicas. Milhares de casas inundadas, produção agrícola e pecuária levadas pela correnteza, patrimônios destruídos, prejuízos ainda incalculáveis, na medida em que além das perdas produtivas e de bens patrimoniais, ainda há os desbarrancamentos (o fenômeno das terras caídas) da orla das cidades, o que vai exigir enormes investimentos de infraestrutura para recuperar que o a natureza fez.

Diante desse cenário apocalíptico era compreensível encontrar um povo moralmente arrasado, sem esperanças. Mas, fazendo jus ao hino do Amazonas que proclama que “viver é destino dos fortes, assim nos ensina lutando a nossa floresta”, o povo está em pé, sofrido, mas altivo, disposto a recomeçar tudo outra vez, talvez porque, mesmo sem conhecer o poeta russo Maiakovski, tenham presente um de seus mais belos poemas, no qual ele ensina que “difícil não é a morte, mas a vida e seus ofícios”.

Voltei ainda mais determinado a fazer o que estiver e não estiver ao meu alcance para ajudar esses bravos caboclos titânicos, como os descreveu Euclides da Cunha em “A margem da história”. Eles não desistirão, não abandonarão as várzeas, tanto pela facilidade de locomoção quanto pela fertilidade de seus solos e pela oferta de pescado nos rios piscosos. É preciso aprender a conviver – e eles já aprenderam – com esse fenômeno da natureza, cuja essência está no principio dialético de que “na natureza como na sociedade, todos os fenômenos estão interligados, interconectados e interdependentes”, de onde se conclui que tudo, absolutamente tudo, está em constante transformação e evolução.

Por essa razão, tanto o Purus, como o Juruá, ainda estão definindo os seus leitos sinuosos, cuja aparência aérea nos oferece um espetáculo raro. Após horas de viagem, os barcos voltam na prática ao mesmo ponto de partida, apenas separado por uma fina nesga de terra, até que a força natural das aguas rompa mais esse obstáculo e torne o rio menos sinuoso. Ano após ano esse fenômeno se repete e, quem sabe, daqui alguns milhares de anos esse salão em construção estará pronto para as novas gerações, numa demonstração prática da força da natureza, da dialética.

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