O ludismo agrícola

Engana-se quem imagina que o ludismo passou à história. O pensamento de Ned Ludd encontra seguidores em diversos campos que, na atualidade, atuam muito além do movimento operário.

Inicialmente opostos às novas tecnologias desenvolvidas no âmbito da Revolução Industrial, propondo a depredação de fábricas modernas e a destruição das máquinas como forma de luta em defesa da nascente classe operária, os neoludistas agrícolas, adaptados aos novos tempos, canalizam suas ações contra as inovações tecnológicas desenvolvidas a partir da Revolução Verde, propondo o extermínio das plantações modernas e a eliminação dos transgênicos como sendo, literalmente, a salvação da lavoura. A esse respeito já nos advertia Karl Marx: “A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”.
O equívoco dos ludistas de ontem é o equívoco dos ludistas de hoje: erram o alvo. Ao invés de combaterem a apropriação do conhecimento por meia dúzia de gigantes do setor privado, preferem centrar seu tacão justamente contra os grandes avanços tecnológicos. A reivindicação mais acertada seria a socialização destas inovações tecnológicas entre os agricultores, sem pagamento dos pesados royalties às multinacionais.

A campanha anti-transgênico e a própria mobilização contra a utilização de insumos químicos (banalizados como agrotóxicos) na agricultura, defendidas por setores dos movimentos social e ambiental, é ludista na medida em que nega estes avanços técnicos extraordinários conquistados pela humanidade e os joga na vala comum daquilo que elegeram como principais inimigos da humanidade. “Por um mundo livre de transgênicos” é a consigna da vez. Por acaso é o avião o culpado pelos bombardeios aéreos que vitimam civis inocentes ou a política belicista deste ou daquele governo que o utiliza para estes fins?

Os transgênicos podem ser direcionados, normalmente, a quatro características espetaculares: resistência às pragas, tolerância a herbicidas, perfil nutritivo melhorado ou tempo de armazenamento dos produtos agrícolas aumentado. Uma política de Estado deve fortalecer a Embrapa e financiar empresas nacionais a pesquisarem e desenvolverem cultivares voltados às necessidades do povo brasileiro. Mais ainda, urge romper os grilhões da dependência dos produtores rurais às multinacionais do setor que direcionam suas linhas de pesquisa a pacotes tecnológicos específicos que amarram os agricultores aos seus produtos. É como nos diz Antônio Delfim Netto em sua coluna de hoje (11/04) na Folha de São Paulo: “Não se pode e não se deve esperar que uma empresa privada, que só pode sobreviver se gerar lucro, distribuir dividendos e criar valor para seus acionistas, atenda corretamente ao interesse social se tiver objetivos conflitantes entre o curto e o longo prazo.” Eis o xis da questão.

O continente africano, sempre citado pelos neoludistas como vítima dos avanços tecnológicos na agricultura, não foi prejudicado pelo desenvolvimento de híbridos há décadas atrás, mas sim pela privação do uso de insumos, técnicas e maquinários condizentes a explorar todo o rico potencial da heterose destes cultivares melhorados. O continente africano não pode ser expropriado de usar material altamente produtivo, com insumos variados, manejo técnico racional e a mais avançada tecnologia, com o pretexto de se manter a cultura de subsistência, atrasada tecnicamente. A Embrapa, que tem notável experiência relacionada aos nossos cerrados, pode dar enorme contribuição às condições das savanas africanas.

Outro vilão dos neoludistas, o insumo químico (um inseticida, por exemplo) é uma ferramenta de controle a mais dentro de um manejo integrado de pragas que conta também com outros métodos auxiliares, tais como o físico, o mecânico, o biológico, por comportamento, entre outros. A saída não é a simples supressão do controle químico, mas a racionalização de seu uso legal, com acompanhamento técnico e maior presença do Estado na fiscalização, sobretudo, do descarte de embalagens, respeito ao período de carência, uso de equipamento de proteção individual, assistência aos trabalhadores, proteção ao consumidor, etc.

Utilizamos mais de 80 mil substâncias químicas na indústria alimentícia, farmacêutica e no uso doméstico, em um total de aproximadamente 11 milhões, segundo dados da Sociedade Norte-Americana de Química (ACS, na sigla em inglês). Podemos adotar a postura ludista e tocar fogo em toda a tabela periódica, ou criar políticas públicas capazes de melhorar a fiscalização e monitoramento do uso destas substâncias.

Até o conceito sobre o que é tóxico muda através do tempo, mas o ludismo teima a sobreviver a ele, disseminando suas toxinas contra tudo que se apresenta como técnica e cientificamente avançado.

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