O mito da vocação agrícola

Parece que a escola fisiocrata, ainda hoje, encontra terreno fértil no Brasil. Os que apostam no “poder da natureza” e na centralidade da produção agrícola em detrimento da produção industrial mostraram-se esfuziantes ante a divulgação dos dados do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro de 2011.

De acordo com o presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Luiz Carlos Corrêa Carvalho, os últimos resultados “comprovam a visão de que o negócio do Brasil é o agronegócio”. Será mesmo?

Certamente o agronegócio é muito importante para o país e contribui, inclusive, para o desenvolvimento de estratégicos setores industriais. Além do mais, é forçoso reconhecer a vitalidade do agronegócio não só da porteira para dentro, mas também para fora dela, ou seja, toda a cadeia produtiva que se encontra à jusante dos negócios agropecuários tais como os representados pela indústria e comércio de insumos químicos, sementes, maquinário, adubos e toda a parte relacionada à compra e venda, transporte e beneficiamento de produtos agropecuários. Um setor que responde por quase um quarto do PIB não pode ser desprezado.
Mas os apologistas do mito do Brasil predestinado a ser o celeiro do mundo devem fazer a leitura dos resultados do PIB com cautela, cientes que o país passa por um preocupante processo de desindustrialização e desnacionalização da economia que deve ser revertido o quanto antes, inclusive, para o bem do agronegócio.

O próprio setor primário, notadamente a agropecuária, é uma das principais vítimas deste processo de desnacionalização e desindustrialização. Importantes empresas brasileiras, principalmente do ramo de sementes, foram fagocitadas pelas multinacionais, que agora monopolizam a comercialização de boa parte dos cultivares. Somente até o início da década passada, segundo o professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, John Wilkinson, em seu livro A Transnacionalização da Indústria de Sementes no Brasil, a Monsato já havia adquirido cinco empresas brasileiras, entre elas a Agroceres que era a maior empresa de capital nacional privado do setor, a Dow AgroSciences se apropriou de cinco e a Aventis quatro. Hoje o quadro é ainda mais preocupante.

Se a agricultura nacional esbanja vitalidade no atual momento é graças, sobretudo, porque nossa vocação científica falou mais alto em determinados momentos históricos e logramos, mesmo em condições adversas, impulsionar a indústria nacional que correspondeu à altura no fornecimento de vários insumos e infraestrutura necessários para alavancar a agricultura moderna.

A saga brasileira da ocupação do cerrado para fins agrícolas se deu com pesquisas conduzidas nos institutos de pesquisa e universidades, financiadas no período em que presenciamos nosso maior crescimento econômico, incentivado pela atividade industrial.

A vocação do Brasil, portanto, extrapola a agricultura e a pecuária. O país quer e pode ser mais.

Deve se tornar um país mais desenvolvido em Ciência e Tecnologia em ramos estratégicos, que transitam na fronteira do conhecimento. Isso exige imensos investimentos e perspectivas de médio e longo prazo. Mais que isso, ordena uma quebra de paradigma capaz de romper com o ruralismo reacionário, aliado das transnacionais e com o ecologismo sectário e messiânico, pregoeiros do retorno da agricultura a épocas imemoriais.

Assim sendo, o mito do Brasil predestinado a ser o celeiro do mundo, detentor dos melhores solos e condições climáticas, é propaganda falsa e coloca o país à margem de um Projeto de Nação autônomo e soberano, incapaz de ultrapassar as cercas das lavouras e desenvolver uma economia mais pujante e diversificada, alicerçada em bases industriais sólidas e apoiada numa política nacional de ciência e tecnologia avançada.

Como diz os Titãs: “A gente não quer só comida…”.

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