Quem está nas cadeias?

Por mais que se diga o contrário, o Brasil segue vivendo a contradição das prisões superlotadas e a maioria dos criminosos pesos-pesados nas ruas, lépidos e faceiros. Os grandes corruptos, os chefões do crime organizado, os bambambãs do extermínio, esses não estão nas prisões.

Por mais que se diga o contrário, o Brasil segue vivendo a contradição das prisões superlotadas e a maioria dos criminosos pesos-pesados nas ruas, lépidos e faceiros. Os grandes corruptos, os chefões do crime organizado, os bambambãs do extermínio, esses não estão nas prisões.

É claro que toda hora ouvimos, nos noticiários da mídia, ao falarem de algum criminoso preso naquele dia, que ele tem tantas passagens pela polícia, foi condenado por tal crime (assassinatos, sequestros, o diabo), mas posto em liberdade por alguém, e por aí vai. E esses são arraia miúda, digamos.

Os grandalhões mesmo, ainda que processados, arrastam as questões por décadas. E os responsáveis por isso, em geral, são bons advogados e maus juízes. Estes, aliás, entram agora na mira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que iniciou uma “avaliação” nacional – o verbo entre aspas é porque quando se falou e fiscalização ou auditagem houve grita geral nos tribunais. São intocáveis!

No Judiciário, o argumento recorrente é o da sobrecarga de processos, dos fóruns aos tribunais regionais e superiores. O próprio Supremo está com perto de 8.000 processos que estão lá há mais de dois anos sem nunca terem sido sequer manuseados. Restringir as possibilidades de os processos subirem a instâncias superiores é um caminho.

Mas, há outros problemas. Um, é o próprio funcionamento dos tribunais, que, além de pouca gente, têm férias exageradas e outras regalias. Mas há macetes, como cometer erro técnico proposital, que só será descoberto lá na frente, de modo que o processo terá de voltar à origem. E o tempo rola. E há muitos outros jeitinhos.

O fato, entretanto, é que, segundo recente pesquisa do Ministério da Justiça, 40% dos presos brasileiros aguardam julgamentos enjaulados. Boa parte há muitos anos, década até. E o pior é que boa parte está presa por motivos fúteis, como brigas de rua e furtos. É o que chamávamos de “ladrão de galinha” até uns anos atrás.

É certo que o CNJ, com os tribunais regionais, realizou nos últimos meses um mutirão classificado como de “revisão de pena”, na maior parte dos presídios brasileiros. Segundo dados oficiais, essa ação colocou mais de 72 mil presos em liberdade. São, contudo, as vítimas de falhas mais flagrantes. Milhares e milhares seguem presos, mesmo sem julgamento.

As cadeias e presídios de todo o País continuam superlotadas e as ruas (e gabinetes) cheias de bandidos. O Ministério da Justiça reconhece que, na melhor das hipóteses, há mais de um preso em cada vaga nos cárceres. Há casos, porém, que chega a haver 4 ou até 5 por vaga. Ou seja, são aqueles casos em que o preso nem deita para dormir.

Essas pessoas não têm advogados, nem a quem recorrer. A defensoria pública, que oficialmente existe, não é vista em parte nenhuma. Nos raros lugares em que este mecanismo foi criado, seus membros ficam escondidos, como revelam estudos do próprio Supremo Tribunal Federal.

No caso de crimes de corrupção, dos larápios de dinheiro público, o Brasil avançou bastante desde a criação da Controladoria Geral da União (CGU), com status de ministério, no início do governo Lula, em 2003. Avançou em termos, pois as falcatruas e seus autores têm sido investigados e denunciados. Mas, quando chegam à Justiça, param.

A constatação é próprio ministro-chefe da CGU, o baiano Jorge Hage, que, em verdade, foi quem estruturou o novo órgão. Ele era secretário-executivo da pasta na gestão do ministro Waldir Pires e, nessa função, foi o tocador de piano na montagem da CGU. Em 2006, com a saída de Waldir, Lula o elevou para ministro e Dilma Rousseff o manteve em seu governo.

Hage diz que o órgão já puniu com demissão mais de 3.400 servidores federais. Mas as coisas, em geral, ficam apenas na demissão. A punição do judiciário esbarra na morosidade, no enorme leque de brechas para recursos existente nas leis brasileiras e na benevolência de juízes e desembargadores Brasil afora.

“O processo judicial brasileiro é o pior do mundo em termos de possibilidades de recursos de protelação, de eternização das ações, principalmente para o réu de colarinho branco”, afirmou ele recentemente em entrevista. E acrescentou: ”pela via judicial, a punição mais importante, que seria a cadeia, não acontece”.

Ou seja, de nada adianta a CGU, as corregedorias existentes em todos os órgãos públicos, o Ministério Público e a mídia apontarem as irregularidades se não se dá encaminhamento dali para frente. Uma vantagem é que, hoje em dia, nada mais é jogado para debaixo do tapete, segundo Hage.

Mas isso é pouco. Faz proliferar o sentimento de impunidade, que é o maior aliado da contravenção. Semana passada mesmo, após denúncias de pagamento de propinas em hospital público do Rio de Janeiro, o tema suscitou intenso debate na sociedade. Isso resultou em muitas críticas ao Judiciário, partidas da sociedade, do Congresso Nacional e do próprio governo.

Com a fiscalização da cidadania e uma ação mais firme dos órgãos de segurança e da Justiça, certamente nossas prisões continuarão fortemente habitadas. Mas por gente que mereça.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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