70 Anos de Formação do Brasil Contemporâneo

Caio Prado Júnior, que se vivo fosse teria completado 105 anos em 11 de fevereiro de 1912, deve ser lembrado neste ano por um dos maiores clássicos da historiografia brasileira. Há 70 anos atrás, em plena vigência do Estado Novo, em 1942, escreveu que o Brasil colonial e o início do século XIX eram a “chave preciosa e insubstituível para se acompanhar e interpretar o processo histórico posterior”.

Era a linha para se entender a Formação do Brasil Contemporâneo, cuja tese já fora prenunciada em seu clássico anterior, A evolução política do Brasil.

Para o historiador paulista, que militou por décadas no Partido Comunista do Brasil, os atos preparatórios da emancipação política do Brasil visualizavam que “o sistema colonial na totalidade de seus caracteres econômicos e sociais”, e a “obra colonizadora dos portugueses na base em que se assentava”, se apresentava prenhe de “transformações profundas”.

Para Prado Júnior, no século XX ainda persistia o caráter fundamental daquela economia colonial assentada na produção intensiva para o mercado exterior, de onde se estruturava “a subordinação da economia brasileira a outras estranhas a ela”, não tendo sido completada a transição da economia colonial para a nacional.

Foram estas considerações de Formação do Brasil Contemporâneo, que levaram o próprio advogado, economista, filósofo e historiador a considerar que havia chegado “a uma interpretação do Brasil de hoje”, uma “síntese do Brasil” que já saiu “formado e constituído dos três séculos de evolução colonial”.[1]

No primeiro capítulo de Formação procurou demonstrar o sentido da colonização[2], constatando que Portugal havia se transformado em país marítimo, desligando-se assim do Continente e voltando-se para o Oceano, tornando-se uma grande potência colonial na nova ordem do mundo moderno. Dessa forma, a “colonização portuguesa na América” era apenas “a parte de um todo, incompleto sem a visão desse todo”, que significava o processo que integraria o Universo todo em uma nova ordem em que “a Europa, ou antes a sua civilização, se estenderia dominadora por toda parte”.

Caio Prado Júnior não fazia, assim, uma simples constatação histórica, mas considerava, a partir do que entendia como seu método de análise, que “hábitos viciados de pensamento” que viam a descoberta do território dos portugueses como um acontecimento fatal e necessário, impediam de perceber o caráter que Portugal dará à sua obra colonizadora, impedindo ao mesmo tempo de se ver como esta se gravará “profunda e indelevelmente na formação e evolução do país”.[3]

Restava responder uma segunda questão: se a economia colonial era integrada à da Metrópole, qual seria o caráter econômico dessa última para compreender também a primeira. Isto é, era necessário entender por onde se davam os mecanismos de ligação que marcavam as estruturas econômicas de ambas, Colônia e a Metrópole, possibilitando assim a compreensão da sua “evolução” futura. Ora, se a Metrópole, ao proceder a “colonização” do Brasil estava ligada a um processo de transição do feudalismo para o capitalismo, então a Colônia integrada àquela apresentava identidade semelhante, sendo essa relação essencialmente estabelecida pelo comércio. Numa fase de predomínio do “capitalismo mercantil”[4], a Colônia é vista como uma extensão metropolitana, pois o centro da análise é feito no processo de circulação de mercadorias.

Dessa forma, Caio Prado Júnior se enquadra entre os autores convencionalmente chamados de circulacionistas, produzindo a tese de que o Brasil era capitalista desde os tempos coloniais. Implicitamente, isto estava dado desde as primeiras obras iniciais de Caio Prado Júnior, produzindo uma geração de historiadores e cientistas sociais, com razoável influência acadêmica.

A determinação externa na formação social brasileira, através desse método de abordagem, marcará a obra de Caio Prado Júnior.[5] E o privilégio do método de abordagem, sobre as questões práticas da política o diferenciará, mesmo no interior do PCB[6], das teses da III Internacional Comunista, aceitas em seu conteúdo pelo Partido desde a década de 1920, quando este se filiou àquela organização.[7]

Como resultado prático, serão produzidas estratégias diferenciadas sobre o caráter da revolução brasileira, que oriundas do entendimento sobre a formação social e histórica do país, levando a um distanciamento entre as posições teóricas que defendiam o passado colonial do Brasil como feudal ou semifeudal e outras, como a de Caio Prado Júnior, que na visão integradora entre Metrópole e Colônia, considerou o Brasil como capitalista a partir da consolidação do processo de “colonização”.

É dentro dessa última compreensão que se estruturará boa parte da obra de Caio Prado Júnior. Assim, conhecer e estudar Formação do Brasil Contemporâneo é uma obrigação de todo militante de esquerda no Brasil, seja para conhecer as bases do pensamento de Caio Prado Jr. sobre o Brasil, seja para a construção de estratégias para a revolução brasileira.

Notas

[1] Ver a introdução em PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. Colônia. 19 ed. São Paulo, Brasiliense, 1986, p. 9-13.

[2] Como colocou Fernando Novais, o “sentido da colonização” é uma categoria analítica básica para Caio Prado Júnior e não apenas o título de um capítulo. Ela dá conexão de sentido entre as partes específicas da análise com o todo, entre o geral e o particular, entre uma região e o conjunto do mundo colonial. Cf. NOVAIS, Fernando. “Caio Prado Jr. na historiografia brasileira”. In. MORAES, Reginaldo; ANTUNES, Ricardo; FERRANTE, Vera B. (orgs.). Inteligência brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1986, p. 19-21. Daí o seu estilo reiterativo, termo utilizado por Rubem Murilo Leão Rêgo para caracterizar o método de exposição pradiana, “como um instrumento capaz de repor a explicitação dos nexos essenciais da experiência brasileira”. Cf. O sentimento do Brasil. Caio Prado Júnior – continuidades e mudanças no desenvolvimento da sociedade brasileira. Campinas, Ed. da UNICAMP, 2000, p. 223.

[3] Ver PRADO JÚNIOR, Caio, op. cit., p. 21.

[4] Na verdade, inexistiu um modo de produção “capitalista mercantil”, mas uma fase de transição chamada de acumulação primitiva de capital (tanto externa como interna, no caso da Europa Ocidental), que possibilitaria, apenas entre o final do século XVIII e o início do século XIX a consolidação de um modo de produção capitalista, assentado na produção industrial, como no exemplo clássico da Inglaterra.

[5] Caio Prado Júnior afirma que se formos na essência da nossa formação, “veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes. Depois, algodão, e em seguida café, para o comércio europeu”. Assim, é com tal objetivo “voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras”. Cf. op. cit., p. 31-2.

[6] Caio Prado Júnior chegou a ser eleito deputado estadual de São Paulo pelo Partido Comunista do Brasil, tendo seu mandato cassado em 1947.

[7] As teses que defendiam o conteúdo semicolonial ou semifeudal, estabeleceram a estratégia de revolução democrática burguesa, isto é, primeiro deveria ser feito uma revolução burguesa para consolidar o capitalismo para somente após iniciar a revolução socialista. Essa estratégia também foi chamada de revolução em duas etapas, oriunda da defesa revolucionária feita por V. I. Lênin para a Rússia de 1905.

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