"Tudo pelo Poder": Ninho de Vespas

Em filme sobre as primárias do Partido Democrata, diretor George Clooney fala sobre decadência dos EUA e suas intervenções militares

          O que o espectador depreende nas sequências finais de “Tudo pelo Poder” é que a perda de liderança político-econômica já penetrou o inconsciente coletivo estadunidense. O aspirante a candidato a presidente dos EUA, governador de Arkansas Mike Morris (George Clooney), esbraveja em tom grave que o país não aceita ser o terceiro ou o segundo, quer retomar a liderança. E promete à platéia formada essencialmente por jovens eleitores nas primárias de Iowa: “Lideraremos o mundo de novo”. Soa como melancólica queda da ainda superpotência se debatendo para manter sua influência político-econômico-militar, tendo a China em seus calcanhares.

 

          Pelas vias transversas, o liberal democrata Morris, “esquerda” nos EUA, critica as invasões estadunidenses, tidas sempre como “humanitárias”, “preventivas” ou “defensivas”. Elas escondem, segundo ele, o interesse de controlar as riquezas estratégicas da nação invadida. Uma vez controladas, caso do petróleo, os EUA não precisam mais daquela nação. E garante: ”Não precisamos invadir ninguém”. Morris, como se vê, não é um candidato qualquer. É um líder que se dá ao direito de fugir ao apoio de seu correligionário, o senador democrata Thompson (Jeffrey Wrigth), por não aceitar suas práticas políticas.

 

          Toda a trama deste thriller político está centrada na conquista de delegados nas primárias de Iowa. E ajuda a traçar uma radiografia das primárias estadunidenses, onde são conquistados os delegados necessários à indicação do candidato à presidência na convenção nacional. Só isto bastaria para dar fôlego à campanha de Morris, segundo Paul (Philip Seymour Hoffman), seu ardiloso chefe de campanha. No entanto, Clooney e seus coroteiristas Grant Heslov e Beau Williman (autor da peça na qual se baseia o filme), na tentativa de reforçar a trama central, introduzem uma subtrama melodramática que ocupa a segunda e a terceira parte do filme.

 

         Não que trapaças e chantagens não façam parte do modus operandi desse tipo de disputa, onde ética, moral e solidariedade cedem espaço ao maquiavelismo. Elas irão revelar o quanto o progressista de Morris e seu sub-coordenador de campanha Stephen Myers (Ryan Gosling) não resistem ao teste de cama. O centro da disputa é a jovem auxiliar Molly Stearns (Evan Raquel Wood), cujo pai é um dos mandachuvas do Partido Democrata. O que lhe acontece, espremida entre Morris e Stephen, acaba mostrando a disposição deste para acumular vítimas, tal um Iago moderno.

Democratas e republicanos
se equivalem na tática

 

          De ingênuo, ele se torna rancoroso e vingativo. Compreende o quanto uma jovem imatura, como Molly, pode ser usada e o que fazer para não ser posto fora do jogo. Como é bom aluno de Zara, de Morris e do coordenador da campanha adversária Tom Duffy (Paul Giamatti), ele aprende rápido. Morris o ajuda com sua tendência a mirar nos ricos para angariar simpatia da juventude – “Minha campanha é contra a distribuição da riqueza para os ricos” e ao mostrar-lhe seu lado Clinton, amante de relações furtivas. É dele, Stephen, a melhor lição política: na dúvida bata como eles batem. É assim que ele se faz entender e se mostrar à altura do jogo.

 

         Seu universo de trabalho é a grande política, em que o poder absoluto está em jogo. Zara bem o demonstra ao comentar com ele sua trajetória de bruxo aprendiz para estrategista-mor. É como se lhe dissesse: leva tempo para enxergar o centro da estratégia. Esta deve tratar da imagem do candidato, de articulações com aliados, de desarticulação dos adversários, de táticas eleitorais. A diferença é que Zara é profissional, Stephen, carreirista. Este, como sempre, só vê a si e o seu objetivo. Usa-o em qualquer lugar, em qualquer circunstância. Até Morris terá de se submeter, devido à sua fraqueza pelo sexo oposto.

 

         Clooney consegue, assim, tirar seus personagens do traço, deixando perceber suas intenções, e não abusa da montagem entrecortada, comum neste tipo de thriller. Porém, peca como a maioria dos filmes hollywoodianos que se pretende político. Falta-lhe a tipificação de classe, de rosto do povo, do drama dos despossuídos. Trata os segmentos de classe como massa: os jovens, as mulheres, os afro-descendentes, os imigrantes. E os eleitores como consumidores de seus slogans. Daí, os bastidores da campanha de Morris assemelham-se aos dos republicanos nas primárias presidenciais em curso. Inexiste diferença entre a tática de um e outro – liberais e direitistas se equivalem. Talvez seja isso mesmo.

 

           Estas matizações põem seu filme distante de “A Grande Ilusão”, de Robert Rossen, e “O Candidato”, de Michael Ritchie, que tratam da política estadunidense com olhar menos evasivo. Resta o que o filme revela do inconsciente coletivo do cidadão estadunidense no ocaso deste império, cuja queda assemelha-se a uma implosão: cai sobre suas próprias estruturas – grandes demais para serem sustentadas pelo Leviatã doente.

 

Tudo pelo Poder” (“The Ides of March”). Thriller político. EUA. 2011. 120 minutos. Fotografia: Phedon Papamichael. Música: Alexandre Desplat. Roteiro: George Clooney, Grant Heslov, Beau Williman, baseado na peça deste último. Direção: George Clooney. Elenco: Ryan Gosling, George Clooney, Philip Seymour Hoffman, Paul Giamatti, Marisa Tomei, Evan Raquel Wood, Jeffrey Wright.

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