“Românticos Anônimos”: Fada amadrinha

Diretor belga Jean-Pierre Améris faz rir em comédia sobre a paixão entre dois tímidos e como ela o ajuda a salvar a si e a seu pequeno negócio.

          Como nos filmes de capa-e-espada em que o herói se esconde sobre uma cortina de mistério, “Românticos Anônimos”, do belga Jean-Pierre Améris, tem um segredo a revelar. Não é um segredo qualquer, pode evitar que uma empresa vá à falência. Seu herói, ou melhor, sua heroína é de uma timidez patológica. E seu parceiro tem dificuldade de se relacionar com o sexo oposto. Quando os dois se encontram nada ocorre, senão uma sucessão de desacertos. É, portanto, uma comédia de absurdos, onde a graça está justamente em fazerem tudo para superar sua timidez.
 

          Na verdade, o filme é sobre a incapacidade de homens e mulheres se relacionar amorosamente e, num contexto mais amplo, sobre como salvar um negócio prestes a falir. Se fosse uma comédia sobre segredos e desencontros seria um festival de clichês. São os temas subjacentes que o livram de sê-lo. Não que a incapacidade de relacionamento seja nova e não tenha sido tratada em inúmeros filmes. Ainda que permaneçam traços das velhas comédias hollywoodianas, como o solitário que encontra sua alma gêmea depois de muitos desacertos, com ela o ajudando a superar seus problemas psicológicos.
 

          O novo aqui é colocá-lo num contexto social, de relação de classe. Angélique (Isabelle Carré), confeiteira especializada em chocolate, candidata-se a uma vaga numa pequena fábrica de chocolate. Há um engano, ela acaba sendo contratada como vendedora. Como está desempregada desdobra-se para manter o emprego. Seu patrão Jean-Renné (Benoit Poelvoord) acredita que ela irá salvar a empresa à beira da falência. Começam aí os desencontros: ela é de uma timidez patológica. Sofre só de ter de falar com o cliente. Ele, que a escolheu de pronto para não ter maior contato com ela, não é menos tímido.
 

        Desnecessário dizer que os resultados custam a aparecer. O que os impede de ter sucesso não é a troca de cargo, mas a incapacidade de ver-se um no outro. As diferentes formas de superar este problema revelam seus níveis de classe. Ele no divã freudiano, ela em terapia de grupo. O individual e o coletivo. Essas diferentes formas de buscas de tratamento não são fortuitas. Angélique ainda consegue se expressar perante desconhecidos, Jean-Renné, não. Isso conta muito, como se verá no desfecho do filme. Nalgum momento, eles terão de encontrar em terceiros a superação de suas deficiências de relacionamento. E não se trata de abusos na infância ou de repressão sexual.
 

Angélique dá
aula de marketing


        Num dado momento, Jean-Renné tem de se aproximar da empregada para saber de seus progressos. Desajeitado, sem traquejo com as mulheres, ele fica agressivo. Ela, pelo contrário, se imobiliza. Daí a graça das situações. A melhor delas é quando se encontram no restaurante. Por mais que ele tente, não consegue se concentrar nela ou mostrar-se amável. Sua saída é trocar de camisa a todo instante, o que a deixa pasma e o espectador às gargalhadas. Ela acaba sozinha à mesa, ele numa desabalada correria pelas ruas, sem ao menos um adeus. Sua timidez é o que o impede de ser um empresário de sucesso. Para se livrar de suas implicações, ele logo se livra do interlocutor.
 

         No primeiro contato com Angélique, ele lhe revela que a empresa está prestes a falir. Assim, ela aceitar o cargo é mais uma concessão dela, que uma escolha sua. Sua empresa exala o atraso na vitrine, nos equipamentos, na conduta dos quatro empregados e na receita dos chocolates. Esta ligação entre a natureza do pequeno burguês e a gestão de seu negócio é um bom achado de Améris, argumentista e coroteirista com Philippe Blasband. É a timidez de Jean-Renné que condiciona seu tirocínio empresarial. Uma questão não de tudo implausível.
 

         Mas comédia exige equilíbrio entre o “sério” e o riso. E às vezes mitos e fantasia ajudam. Aqui é a fada madrinha, a confeiteira, que salva o negócio do patrão. Entre um lance amoroso e outro, Angélique vai mostrando a Jean-Renné os caminhos para escapar à falência. O filme de cenários rústicos, cores esmaecidas, muda. Das receitas aos tipos de chocolates, das embalagens à inserção da empresa no mercado. Até participar em feiras para dar visibilidade aos novos produtos. Verdadeira aula de marketing. A criatividade dita o rumo dos negócios. É a modernidade feminina, a criatividade da chocolateira, que dita as mudanças. E o filme ganha cores vivas, os personagens ficam mais cativantes, as sequências mais ebulitivas.
 

      Estas abordagens tornam o filme uma comédia inteligente. O mistério em torno de Angélique, longe de ser artifício, reforça as situações. É ele que facilitará sua relação com Jean-Renné. Ele, embora apaixonado, custa a se relacionar com Angélique. Mesmo quando vão para a cama, ele se atormenta com a presença dela, e ela se sente culpada. Não são, entretanto, coitados. Ela é engenhosa. Ainda que o desfecho a faça mudar de classe, mostra flexibilidade para superar suas deficiências e evitar a bancarrota do amado. Nem tudo nas relações de classe é perfeito.
 

Românticos Anônimos”. (“Les Emotifs Anonymes”). Comédia. França/Bélgica. 2010. 80 minutos. Roteiro: Jean-Pierre Améris/Philippe Blasband. Fotografia: Gerard Simon. Direção: Jean-Pierre Améris. Elenco: Benóît Poelvoord, Isabelle Carré, Swann Arlaud.

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