“Quando La Notte” – Cinema escapista

A diretora italiana Cristina Comencini usa melodrama em história sobre mulher e homem, casados, que se apaixonam nos Alpes italianos.

Mulher à espera do marido costuma ser Penélope aguardando seu Ulisses. E, embora as batalhas do cotidiano atual muito tenham da Odisséia, ela pode decidir mudar de parceiro. Em “Quando La Notte”, da italiana Cristina Comencini, Marina (Claudia Pandolfi), mãe de garoto de dois anos, está à espera do marido, que nunca chega. Mantém com ele contato telefônico e há sempre desculpas. As semelhanças entre a mitologia e a realidade do século 21 terminam por aí. Descobre-se que a filha do grande diretor Luigi Comencini (“Delito de Amor”) quer falar, nesta primeira parte do filme, da relação de Marina com o filho. E têm-se o melhor da história: a mãe que não sabe lidar com criança.

O mito da habilidade materna em lidar com o filho é posto em cheque. Marina, aos poucos, exaspera-se com o contínuo choro do menino. Nenhuma referência há sobre se isto decorre da ausência do pai ou se ela poderia acalmá-lo levando-o para passear. Pode ser isto ou simplesmente porque Marina não é boa mãe. Tratado por Comencini e sua coroteirista Doriana Leondeff, o espectador imagina que se trata disto. Mais a combinação da ausência do marido, isolamento num hotel nos Alpes italianos e, sobretudo, a carência da criança. Enfim, trata-se do olhar feminino sob uma questão pouco tratada no cinema.

No entanto, Comencini introduz outro fio: o do homem, Manfredi (Filippo Timi), afastado da família por não saber se relacionar com a mulher Luna (Manuela Mandracchia) e os dois filhos adolescentes. Ele acompanha a luta de Marina para acalmar o filho e não interfere. É o outro vértice do ser necessitado de compreensão por não seguir os ditames sociais. Assim, o que poderia decifrar o comportamento de Marina esboroa. Comencini mostra que Manfred é o bruto carente, marginalizado pela família, personagem comum no cinema, em busca de sua alma gêmea. Diferente de Marina, ainda uma incógnita.

Aos dois se une o terceiro vértice: o da paisagem. Dominante em “Quando La Notte”. Mesmo com sua árida beleza, contribui para a solidão, o isolamento, a inutilidade da busca de saída. Marina e Manfred são seres trancados em seus próprios impasses. Um ato violento dela faz com que os dois se unam; ainda cheios de desconfianças. A tendência de mãe irritadiça, inábil, se revela, e Comencini poderia ter indo nesta trilha para reforçar seu enredo, porém, a partir daí, seu filme se torna previsível. Ainda mais para uma obra que competiu ao Leão de Ouro no último Festival de Veneza.

História vira uma colcha de retalhos

Comencini desmonta toda sua premissa: a da mãe irritável fechada no hotel à espera do marido e sua relação amorosa com o introspectivo guia de turismo. Ela beira o desespero por não acalentar o filho, ele mantendo uma incontida violência. Comencini passa toda a segunda parte estruturando previsíveis entrechos. Além de introduzir a conflituosa relação entre Manfredi e seus irmãos Albert (Thomas Trabacchi) e Gustav (Franco Trevisi) e a amizade de Marina com a companheira de Albert, Bianca (Michela Cescon. E rusgas agravadas por Gustav ao tentar seduzir Marina. É o truque chamado ponto de virada: o campo está aberto para a paixão entre Manfred e Marina.

A história com a contribuição da paisagem seria aceitável se Comencini não tornasse “Quando La Notte” um melodrama com lances românticos e premonição. Nunca se sabe o que vai pela cabeça do diretor quando acrescenta sequências para fazer o filme andar, uma vez que a premissa inicial se esvaziou e os fios não se amarram. A esta altura, terceira parte, o garoto pouco importa, muito menos o marido de Marina – o que vale agora é a relação amorosa dos inadaptados. Eles se encontram revelando, ele, o perfil de um sapo; ela, de um cisne.

É, em suma, a visão que Comencini tem do bruto. Não passa de um ser indefeso precisando de carinho. Salvo pela premonição de Marina, o sapo termina por perder o encanto. Ambos têm, a partir daí, segredos a compartilhar. Parece história de Jacqueline Susan: quanto mais desencontros, mais o espectador se ligará na história de amor. Com direito ao truque dramatúrgico, típico dos melodramas dos anos 50. Os dois se desencontram na estação de esqui, que logo irá fechar devido à forte nevasca. Faltam sinos e violinos e lenços e… xingamentos do espectador.

Talvez seja esta a proposta de Comencini para os italianos fugirem à crise político-econômica européia: o cinema escapista à Hollywood. Só que a fórmula é velha, desgastada. Nem Hollywood a repete mais. Prefere filmes infantis. Infantis em todos os sentidos. Um cinema classe média, inclusive com pudicas cenas de sexo. Saudade das comédias picantes do pai (“Pão, Amor e Fantasia”) Ao contrário dela, o ousado Olmi (“A Igreja de Papelão”) e o militante Crialese (“Terra Firme”) mostram que é preciso repensar o modelo político-ideológico italiano e não sair pela tangente. Não é preciso manipular emoções para divertir o espectador. Bons exemplos não faltam no cinema italiano.

“Quando La Notte”. Drama. Itália. 2011. 116 minutos. Roteiro: Cristina Comencini/Doriana Leondeff. Direção: Cristina Comencini. Elenco: Claudia Pandolfi, Filippo Timi, Michela Cescon,Thomas Trabacchi, Franco Trevisi.

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