O direito como síntese das relações sociais

O direito é um fenômeno social, portanto não pode ser buscado longe da sociedade, longe das relações sociais. Dessa forma, ao tentarmos compreender o que é o fenômeno jurídico devemos buscar entendê-lo dentro de um processo histórico construído pela experiência humana.

O desenvolvimento histórico-social do ser humano organizado em sociedade alcançou um nível muito grande de complexidade. Os diversos períodos pelos quais a humanidade passou criaram novas formas de conflitos e antagonismos sociais, resultado da evolução dos meios de produção e reprodução social. As contradições e antagonismos sociais foram chegando a um grau de complexidade que se não houvesse um mecanismo de mediação capaz de conduzir a sociedade num rumo minimamente aceito pela coletividade a sociedade teria se destruído, seria o caos total.

A complexidade das relações sociais – que envolvem aspectos econômicos, políticos, culturais, o alargamento do papel do Estado, entre outros – foram exigindo que os mecanismos de mediação e coesão social fossem também se tornando mais complexos. Os seres humanos foram se apropriando do conhecimento científico e aperfeiçoaram os mecanismos de controle e mediação das relações sociais. Na sociedade primitiva, não havia sentido em regular a propriedade entre os membros das tribos, porquanto a mesma era de uso comum; na sociedade feudal não havia sentido uma regulação das relações de trabalho entre senhor e servo, pois os vínculos estabelecidos baseavam-se nas relações de dependência pessoal. Com o advento do capitalismo surgiram novas formas de relações sociais. A forma de produção e reprodução social se modificou de tal maneira, chegando a um grau de complexidade de tal envergadura que os antigos meios de mediação e controle não davam mais conta. O positivismo jurídico, tendo por núcleo central a legalidade, só pode ser entendido sob esse ângulo: foi uma necessidade histórica, não possui caráter universal.

O desdobramento da complexidade das relações sociais no ordenamento jurídico pode ser observado por meio da evolução dos direitos humanos. As diversas “gerações” dos direitos humanos – aqui falarei apenas das duas primeiras – devem ser entendidas como resultado das tensões políticas e sociais em determinado período histórico. Não há como compreender essa mudança qualitativa no ordenamento jurídico sem ter presente a revolução Francesa e a Revolução Russa. A primeira, com base no liberalismo do século XVIII, deu origem aos direitos e liberdades individuais; já a segunda, que teve por fundamento o Socialismo, deu origem aos direitos sociais. O que fica evidente é que essa mudança do direito não se deu por questões internas (formais) do fenômeno jurídico, mas sim, pelas contradições sociais, pelo desenvolvimento da luta político-social. Esse é só um exemplo de que o direito tem relação direta com as transformações político-sociais que ocorrem na sociedade.

O ser humano não é produto simples da natureza, ele é resultado do convívio com os outros seres humanos. É nesse convívio que o ser humano produz e reproduz sua vida material e social. A vida em sociedade engendra aspectos objetivos e subjetivos, que obriga o ser humano, independente de sua vontade, a se relacionar com outros seres humanos, abre-se, então, uma cadeia ininterrupta de relações sociais que terão incidência direta na formação do espírito humano.

Essas relações sociais não são homogêneas, quanto mais se amplia a participação do indivíduo na sociedade, uma série de interesses e diferenças – questões de gênero, aspectos econômicos, questões de classe, diferenças culturais e geracional, desigualdades regionais, entre outros – contraditórios entram em choque. Numa sociedade onde os conflitos aumentam ante a complexidade do produzir e do reproduzir dos seres humanos, não há como prescindir de um mecanismo de mediação das diversas formas de manifestações das contradições inerentes a uma sociedade cada vez mais complexa, porquanto seria o caos generalizado. O direito cumpre esse papel de amalgama, de coesão, possibilitando as condições necessárias para a continuidade organizada das sociedades.

Toda ordem social pressupõe relações humanas. Para consolidar determinada ordem social, essas relações devem ser planejadas e devem possuir certa continuidade. O direito é o mecanismo que organiza essas relações sociais – daí seu papel essencialmente político -, dando-lhes uma orientação e certa continuidade. Essa organização tem por fulcro consolidar determinados valores em determinada sociedade; esses valores, por sua vez, são historicamente determinados pelas próprias relações sociais. Nesse sentido, a ciência jurídica deve estar apta a lidar com uma realidade complexa e contraditória.

Dessa forma, devemos ampliar nossa visão acerca do que vem a ser o fenômeno jurídico e seu papel para o desenvolvimento e a continuidade da sociedade. Os que desejam construir uma nova ordem social precisam ter em mente o papel do direito num processo de transição e sua relação com as relações sociais. Não há como pensar numa sociedade sem organização, sem planejamento, sem continuidade e as relações sociais – em todas as suas dimensões – têm desdobramentos no direito, pois o direito é a síntese das relações sociais.

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