Espírito e significado do Natal

Desejo boas festas às gentis leitoras e pacientes leitores com estes presentes: o espírito de natal do Calvin criado (sim, há um criador!) por Bill Watterson e duas abordagens natalinas do escritor português José Saramago. Que em 2012 construamos novas vitórias e avancemos nas conquistas democráticas e sociais.


Natalmente crônica

Vai o ano correndo manso entre noites e dias, entre nuvens e sol, e quando mal nos precatamos, chegamos ao fim, e é natal. Para incréus empedernidos como eu sou, o caso não tem assim tanta importância: é mais uma das trezentas mil datas assinaladas de que se servem inteligentemente as religiões para aferventar crenças que no passar do tempo se tornariam letra morta e água chilra. Mas o natal (tal como as primeiras andorinhas, o carnaval, o começo das aultas, e outras efemérides do estilo) está sempre à coca da atenção ou da penúria do cronista, para que se repitam, pela bilionésima vez na história da imprensa, as banalidades da ocasião: a paz na terra aos homens de boa vontade, a família, o bolo-rei, a mensagem evangélica, o ramo de azevinho, o Menino Jesus nas palhinhas, etc. etc. E o cronista, que no fundo é um pobre diabo a quem ás vezes falta o assunto, não resiste à conspiração sentimental da quadra, e bota a fala de circunstância.

Acontece porém que tenho fortes razões para não estar de bons humores, o que me permite esquivar-me desta vez, se alguma outra caí em tão ingênua fraqueza, ao jogo cúmplice do amplexo universal. De mais sei eu que na enfiada de abraços há sempre os que apertam e os que são apertados. Dee mais sei eu que a confiança é, em muitos casos, a armadilha que a nõs próprios armamos, e para ela é que os outros nos empurram, sorrindo. Por isso, esta crônica de natal não vai passar do fala-falando que é a minha única voz possível quando haveria lugar para gritos. Mas o leitor também lá tem a sua vida, quem sabe se dura e difícil, e não há-de aceitar que eu lhe agrave as amarguras. Desculpe o desabafo.

In A bagagem do viajante.

Natal

Nem aqui, nem agora. Vã promessa
Doutro calor e nova descoberta
Se desfaz sob a hora que anoitece.
Brilham lumes no céu? Sempre brilharam.
Dessa velha ilusão desenganemos:
É dia de Natal. Nada acontece
In Os poemas possíveis

O tempo continua sem solavancos no twitter: @Carlopo.

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