“A Árvore do amor”: Revolução Cultural e Paixão

 Em filme que trata da relação amorosa entre dois jovens, diretor chinês Zhang Yimou retoma a discussão sobre os reflexos da Revolução Cultural sobre a juventude de seu pais.

        Não se pode dizer que fantasmas se submetem à história. Existem para assombrar. Mas se mãos humanas não os estimulam, eles ficam parados. O diretor chinês Zhang Yimou é dos que assim acreditam. Depois de revirar a Revolução Cultural desencadeada por Mao Tsé Tung, em “Tempos de Viver” (1994), ele retoma a discussão neste “A Árvore do Amor”. Em ambos há uma luta entre os que são acusados de defender idéias burguesas, os que são reeducados para adquirir consciência socialista e a divisão que isto criou na sociedade chinesa. E ainda, pelo que se vê, não de tudo superada. 
 

         A Grande Revolução Cultural Proletária, liderada por Mao Tsé Tung, conhecida no Ocidente como “Revolução Cultural”, foi uma tentativa do Partido Comunista Chinês (PCC) enfrentar as resistências aos programas de aprofundamento do socialismo no país. Seus executores foram os Comitês Revolucionários, formados por trabalhadores, juventude e mulheres. Mas seu agente mais visível foi a Guarda Vermelha, formada pela juventude chinesa. Yimou mostra-a em “Tempos de Viver” em plena ação: nas ruas com os acusados de sabotar as políticas socialistas e substituindo o corpo clínico de hospitais.
 

         Em “A Árvore do Amor”, menos complexo, nem por isto menos significativo, ele está presente na frase do jovem geólogo Sun (Shawn Dou): ”É assim hoje, mas pode mudar lá na frente (citação não literal)”. É como se Yimou embutisse nestas obras o antes e o depois da Revolução Cultural, com o reerguimento de Deng Xiaoping, um dos “reeducados” pela Revolução Cultural. No entanto, o que conta aqui são as estruturas sociais, as estratégias político-ideológicas e os confrontos travados entre o velho, o capitalismo, e o novo, o socialismo. Este embate galvanizou as esquerdas nos anos 60/70. Está em “A Chinesa”, de Jean-Luc Goddard.
 

        Não era, portanto, uma simples tática político-ideológica. Insere-se na estratégia de criar uma consciência de classe, socialista, nas camadas sociais ainda existentes, em substituição à velha consciência burguesa. Na União Soviética, URSS, a burocracia, nomenclatura, terminou por ocupar o espaço do proletariado no poder, não tendo este condição de defender-se, diria Lenin, do Estado. Às massas de trabalhadores, juventude, mulheres, camponeses,  caberia insurgir-se contra a nomenclatura para assumir, de fato, a condução do Socialismo. O que não ocorreu.
 

A vida é uma
construção


       Mao, ao que parece, anteviu esta lacuna. “Quando analisamos uma coisa, diz no Livro Vermelho (Pág. 231,Global Editora), devemos atender à sua essência, considerando as aparências apenas como o guia que nos leva até a porta. Uma vez transposta essa porta, há que apreender a essência da coisa. Eis o único método de análise seguro e científico”. Estes confrontos estão expostos nos citados filmes. Entre o novo ainda verde para substituir o velho e este com experiência ainda para se impor.
 

       Nada melhor do que a realidade para mostrar o quanto a história, segundo Marx, caminha em espiral, Sun, educado, ao ouvir os lamentos de sua namorada Jing (Zhou Dongyu) sempre lhe diz: “Mas pode melhorar lá na frente”. Neste melhorar lá na frente está o que viria depois com o “enriquecer é glorioso” de Deng Xiaoping. O resultado se conhece: o socialismo de mercado chinês contrapondo-se ao capitalismo descendente dos EUA e União Européia. Talvez seja cedo para se descrever a conformação que ele, o socialismo de mercado assumirá, como base para o socialismo coletivista, democrático e libertário. Yimou não trata destas conjecturas ou futurologias de consultores.
 

           Em “A Árvore do Amor”, baseado no best-seller de Ai Mai (4 milhões de exemplares vendidos desde 2007), vale-se de uma história real, para entrelaçar melodrama e política. Num povoado, depois inundado pela Represa das Três Gargantas, a jovem Jing, integra o grupo que vai ao povoado viver na casa de camponeses para encontrar em contato com sua realidade. Frágil, preocupada com o pai, direitista preso, a mãe que produz caixinhas de papel para sustentá-la e aos dois irmãos, ainda crianças, e se dará conta da tarefa a que se impôs. Seu contraponto é Sun, filho de general, cuja mãe suicidou, mas que também se aceita á orientação do Partido para conhecer a “essência da coisa”, como orienta Mao.
 

          Essa essência aparece nos símbolos que lhes são apresentados desde a chegada na área rural: da “árvore dos heróis” às referências à bandeira, ao partido e a Mao. Mas também no aprendizado na casa da família camponesa, no árduo trabalho de calçamento da via urbana, nas contradições entre sua realidade e a de Sun. Existe, no entanto, sua vida pessoal, sua necessidade de ter uma relação amorosa. A maneira como Yimou trata estas questões é o que torna seu filme menos maniqueísta. Sun é o personagem positivo, que ajuda Jing a ver as dificuldades apenas como uma etapa de sua vida. Uma situação que não iria durar, e não durou para sempre. Ele soube antevê-la. Ela, no entanto, teve de carregar o que ficou pela metade.  Vida é uma construção.
 

     “A Árvore do Amor” (“Hawthorn Tree Forever”. Drama. China. 2011. 115 minutos. Fotografia: Zhao Xiaoding. Música: Qigang Chen. Roteiro: Yin Lichuan, Gu Xiaobai, A Mei. Direção: Zhang Yimou. Elenco: Zhou Dongyu, Shawn Dou, Xi Meijuan.

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