O Livro de Boni

 

A autobiografia de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, revela um bom bocado da trajetória da Rede Globo de TV e, com isso, uma parte da história recente do Brasil. Ele não conta tudo, mas relata fatos que demonstram o poder da TV sobre o povo brasileiro, em favor das elites e do imperialismo dos Estados Unidos.

O livro é um calhamaço de 463 páginas, bem escrito e bem editado. Competência técnica, aliás, foi sempre o forte do autor. Ele aprendeu televisão com Walter Clark, na antiga TV Rio. Mas a parte ideológica, conforme seu relato, ele trouxe de cursos que fez nos Estados Unidos.

Ele diz que o dono do sistema Globo (jornais, rádios, TVs e internet), Roberto Marinho, tinha visão democrática e que não teria colaborado com a ditadura militar iniciada em 64. É verdade que o Dr. Roberto, como era chamado, não perseguia as pessoas de esquerda.

Ele dizia que “comunista é que sabe fazer” comunicação. E, mais do que isso, tem sua frase célebre, que ele usava quando os militares tentavam pôr a mão em algum funcionário seu. “Dos meus comunistas, cuido eu”, dizia.

Eu mesmo fui personagem desse procedimento, quando era chefe da reportagem política do jornal O Globo, em Brasília, e não podia obter credencial para entrar no Palácio do Planalto. O vice-chefe da Casa Civil da Presidência, Heitor Aquino Ferreira, quando questionado sobre as razões do veto, disse a Merval Pereira, editor do jornal, que “aquele fdp do Jaime Sautchuk não deveria ter emprego em lugar nenhum; como é que vocês mantêm esse cara lá?”.

Merval me contou o fato no mesmo dia, mas ressaltou que eu não tinha o que temer, porque o Globo não aceitaria esse tipo de ameaça. E não aceitou. Eu saí do Globo quando eu quis, por opção profissional.

A raiva de Aquino era porque eu tinha escrito o livro “Projeto Jari – A Invasão Americana”, que vendeu 53 mil exemplares e promoveu forte mobilização nacional contra a presença do magnata estadunidense Daniel Ludwig no Brasil. E Heitor Aquino era consultor dele.

De todo jeito, uma parte marcante do livro do Boni é quando ele admite a intervenção da Globo na eleição de Fernando Collor para a presidência da República, em 1989. A manipulação do debate, na antevéspera das eleições, já é bastante conhecida. Mas a história é bem mais longa, segundo Boni.

Ele e sua equipe na Globo interferiram na campanha de Collor de modo direto. Ele conta que fizeram Collor tirar a gravata, andar de bicicleta e parecer um homem do povo, como Lula era identificado. No debate, eles criaram um suor sintético para fazer Collor parecer mais “normal”.

E partiram para baixaria, onde foi armado aquele circo com uma ex-mulher de Lula, que mentiu sobre seu relacionamento com o ex-marido. Só que, no dia seguinte ao debate (véspera das eleições), Boni fez uma edição dramática no Jornal Nacional, que, segundo um monte de cientistas políticos, foi o que derrotou Lula.

Vale lembrar que aquele noticiário não poderia ter ido ao ar, segundo a legislação eleitoral já então em vigor. Mas o Tribunal Superior Eleitoral fingiu de morto e deixou a Globo fazer o que bem entendesse. Em 24 horas, a tendência eleitoral, que era pró-Lula, se inverteu. E deu no que deu: Collor foi eleito.

Boni revela, pois, fatos importantes não só da sua vida e da vida da Globo, mas da história do Brasil. Vale ler.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor