Cuba na Fliporto

 


Quando o escritor Fernando Morais pôs o boné do MST na cabeça, foi aplaudido. Antes mesmo de se pronunciar sobre o assunto – América Latina: para além do bem e do mal -, deu prova de que o debate se daria em termos engajados. De seu lado, Leandro Narloch, escritor de viés direitista confesso. De outro, Samarone Lima, de extração de esquerda, inda que se refira a Cuba como uma Viagem ao crepúsculo, título de seu último livro. Narloch, em seu livro – Guia politicamente incorreto da América Latina -, desanca Fidel Castro, Guevara e Allende. Morais, confesso admirador d’A ilha, temperou o debate com profusão de informações obtidas para dar lume ao seu recente lançamento – Os últimos soldados da Guerra Fria.

O painel, de um total de vinte, foi o que mais chamou a atenção na Fliporto. Até os apupos cumpriram ofício militante: o loiro Narloch viu-se objeto de uma sonora vaia ao repetir a frase de Nelson Rodrigues: “Quem não é socialista aos vinte anos, não tem coração; quem continua socialista depois dos quarenta, não tem cérebro.” Ele questiona até a veracidade da informação que dá conta de que a CIA fomentou os recursos para a greve dos caminhoneiros no Chile, causando o desabastecimento de alimentos, abrindo caminho para o golpe de Pinochet. “Para evitar uma tragédia maior, o exército interveio”, escreve Narloch. Fernando Morais confessou-se admirado com a “sinceridade” do anticomunismo de seu interlocutor, “num país em que até o Maluf se diz de centro-esquerda.” Sugeriu que o livro de Narloch deveria ser Guia politicamente correto…, posto que segue a tendência das publicações de direita. Enquanto Narloch diz que a revista Veja faz com que muitos sintam medo, toda sexta-feira, Morais afirma que sente nojo ao ver “o esgoto jornalístico, o jornalismo de latrina. Seu livro está remando a favor.” 

Ao referir-se ao desempenho de Cuba nas competições esportivas, “atrás apenas dos Estados Unidos e da China”, acentuou os poucos recursos do país cujo PIB, brincou, “é igual ao da Daslu.” Sem argumentos para se contrapor, Narloch disse que também Hitler apoiou os esportes na Alemanha, sem atentar para a diferença entre o poderio econômico e militar dos dois países; nem para os traços conjunturais de cada período. “Esse discurso de que alguma coisa é bom para os pobres, é ruim para os pobres”, apóia-se. Sobre a liberdade, Morais adiantou que se imprensa alternativa for liberada, “não há dúvida de que a máfia de Miami vai financiar os jornais.”

Samarone Lima, mesmo apontando para a “inconsistência” do livro de Leandro Narloch, disse que a “fome em Cuba é generalizada.” Seu livro terá uma segunda edição, foi aplaudido pelo público desinformado, com reservas sobre a rotina cubana. Peca pela abordagem unilateral, sem considerar o bloqueio que há cinquenta anos inflige sacrifícios à economia local. “Me preocupa que a liberdade seja citada como algo ‘en passent’. Para mim a liberdade é a coisa mais importante na vida”, explicou. “Evidente que a liberdade é um valor universal, mas estamos falando de um país que há cinquenta anos luta contra a maior potência bélica do mundo”, lembrou Fernando Morais.

O debate foi mediado pelo jornalista Vandeck Santiago

Outro que elogiou Fidel Castro, já noutro painel – O processo da criação literária – foi Frei Betto. Contou que encontrou com o líder cubano em 81, em Manágua, nas comemorações do primeiro aniversário da Revolução Sandinista. Em companhia de Lula, questionou a ausência de laicização no Estado, no trato com a religião. “Mas nós somos ateus…”, teria dito Castro. “Escrever na Constituição que o Estado é ateu ou religioso, é uma confessionalidade!!”, replicou. Ao que Castro, conforme Betto, concordou.

O perfil do dominicano não é nada clerical, a não ser quando informa que escreve 120 dias em cada ano. Frei Betto, que tem Christo no nome, é um autor profícuo – tem 53 livros. A disciplina monástica o ajuda.

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