“Vincere”: Derrocada fascista

 As frustradas relações amorosas de Mussolini com a militante fascista Ida Dalser são o centro deste filme do diretor italiano Marco Bellocchio

        Apesar do título, “Vincere”, vencer, do diretor italiano Marco Bellocchio não trata de vitórias. A não ser de seu povo. Une história e relação amorosa, para trazer à tona um episódio desconhecido do grande público: a paixão de Ida Dalser (1880/1937) pelo líder fascista Benito Mussolini (1882/1945). O caso acaba em duplo fracasso. Dela confinada num hospital psiquiátrico, dele justiçado em praça pública. A dupla tragédia se estende ao filho do casal, Benito Albino Mussolini, estigmatizado pelo povo e rejeitado pelo pai. Com este enfoque, digno de uma tragédia grega, Bellocchio centra sua narrativa em Ida e sua luta desesperada para reconquistar o Dulce.
 

        Bellocchio mescla documentário, projeção e encenação para localizar o espectador nos múltiplos episódios históricos nos ebulitivos anos 10 e 20 na Itália. Vê-se Mussolini (Filippo Timi), militante socialista, opondo-se à guerra, à Igreja Católica e à Monarquia. Sua oratória e fanfarronice seduzem a bela Ida (Giovanna Mezzogiorno). Eles passam a dividir angústias e ambições. Ele apóia a I Guerra Mundial, é afastado do Partido Socialista, funda o Partido Fascista, ganha projeção, chega ao governo em 01/11/1922. A partir daí, ela não o serve mais.
 

      Mussolini a havia usado para atingir seus objetivos, preservando suas relações familiares com Rachele Guidi (Michela Cescon), mãe de seus quatro filhos. O fascismo tinha na família um de seus pilares de sustentação. Quanto mais filhos o casal tivesse mais benesses do Estado Fascista ganhava. E Ida não se enquadrava neste perfil. Bellocchio alterna, assim, história e o que se tornou a principal característica de seus filmes: o homem/mulher enredado em seus conflitos psicológicos, para não dizer psicanalíticos.
 

      Uma temática predominante nas obras em que teve a participação de seu amigo psiquiatra Massimo Fagioli: “O Diabo no Corpo” e “Sedução Diabólica”, para citar apenas dois. Já “Vincere” trafega pela tragédia. Seu motor é a paixão desmedida de Ida pelo Dulce. Há nela ainda a mágoa por ser Rachele, não ela, sua parceira de poder, pois lhe doou seus bens para permitir sua ascensão. Sua tentativa para dele se aproximar torna-se doentia, não lhe permitindo ver o quanto tinham se distanciado um do outro. Ele agora se aliara ao rei Vitor Emanuel III e à burguesia italiana, aderira à guerra, unira-se à Igreja Católica.
 

Marketing de ditadores


      Inexistia barreira para ela. Ida ainda se declarava fascista. Nem isto a ajudava. Mussolini lhe impusera um cerco feroz. Bellocchio distancia o filme dele, para fazer projeções, criar um mundo interior, onde o terror predomina. A narrativa sombria, impressionista, ganha contornos doentios. Internada num hospital psiquiátrico, administrado por religiosas católicas, ela é induzida por elas à loucura. Sua luta para fazer chegar suas cartas a Mussolini lembra “A História de Adéle H”, de François Truffaut. É impactante a sequência em que ela sobe no alto portão do hospital enquanto os flocos de neve caem. É o sonho em confronto com a realidade. E também sua sentença política e pessoal.
 

      Nestas sequências, Bellocchio traça, dialeticamente, paralelos entre a agonia de Ida e o ocaso de Mussolini. Este, ao ignorá-la, cria uma imagem pública de estadista ligado à família; aceitá-la seria borrar este jogo de marketing. Sua gesticulação, fala pausada, encenada, completa sua fanfarronice. Às vezes, Bellocchio matiza suas ambições: a de ser comparado a Jesus Cristo. Ele está na cama de hospital militar, ferido, tendo ao fundo imagens do Cristo crucificado. Nada mais enganoso. Os ditadores têm ambições desmedidas. Nem a República de Saló o salvou (Vide o filme homônimo de Passolini).
 

       Fim igualmente trágico teve seu filho, Benito Albino, que começou imitando o pai e terminou por achar-se ele próprio. Seu riso, tomado pela loucura, enquanto ouve o pai, é de arrepiar. A câmera de Bellocchio, normalmente estática, procura em “Vincere”, ângulos closes, que tornam os personagens assustadores, doentios, desligados do real. Até Mussolini, nos documentários, assemelha-se a caricatura de si mesmo. É mais um clown, palhaço, tentando dar respeitabilidade a si mesmo. Note-se a pose para a fotografia com a família numa praia. Bellocchio não perde a chance de ridicularizá-lo. Ele ajuda muito.
 

      Produção de 2009, “Vincere” levanta questões sobre as sociedades de massa, usadas pelo fascismo e o populismo para referendar suas políticas. Sequências de multidões ocupando praças e avenidas dão a dimensão do poder enfeixado por Mussolini.  Ele tenta passar a ideia de que defende não só os interesses das massas como estruturas que ocultam o poder de classe, no caso o poder burguês, industrial, financeiro e agrário.
 

      Guardadas as proporções, Mussolini, enquanto preservou os interesses burgueses permaneceu no poder, igual a Silvio Bellusconi, que em 17 anos de aliança direitista, inclusive com os fascistas da Liga Norte, gestou a maior crise político-econômica da Itália do pós-guerra. Mas, como Mussolini em “Vincere”, também perdeu suas bases de sustentação. Ainda foi pouco.
 

“Vincere”. Drama Histórico. Itália/França. 2009. 128 minutos. . Música: Carlo Crivelli. Fotografia: Daniele Cipri. Roteiro/direção: Marco Bellocchio. Elenco: Giovanna Mezzogiorno, Filippo Timi, Michela Cescon, Fausto Russo Alesi.


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