A saga de Movimento


Ao fim da guerrilha do Araguaia, João amazonas disse: “(…) é um episódio fadado a jogar um papel histórico na história do Brasil, isso vai ficar para sempre, isso vai ser uma bandeira de glória. Foi um ato de resistência enorme, de grande repercussão, de bravura, isso vai nos enobrecer para o futuro.” Ao fim do jornal MOVIMENTO, Raimundo Pereira escreveu: “Na imprensa legal, foi quem primeiro levantou a tese de convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte livre e soberana – quem mais fez por ela, mesmo quando o governo a considerava propaganda dos comunistas.”

O que há de comum entre Amazonas e Pereira? Os sentimentos antifascistas. Cada um a seu modo, e no ofício escolhido, desempenharam relevantes serviços à luta democrática. Inda que não se encontrando, ambos retroalimentaram-se, porquanto a defesa da Constituinte distingue-se pela primeira vez, no texto União dos Brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça colonialista, do PCdoB em 1966. O assunto vem à tona em 1978, nos Ensaios Populares, enxertados em MOVIMENTO. Os autores, enviando os escritos da clandestinidade, eram Duarte Pereira e Carlos Azevedo; sob os pseudônimos de Alfredo Pereira e Tiago Santiago. O jornalista Carlos Azevedo, enfim, contenta a demanda nas mais de trezentas páginas do seu livro – Jornal MOVIMENTO – uma reportagem. Com fartura de depoimentos dos protagonistas de então – Raimundo Pereira, Tonico Ferreira, Marcos Gomes, Flavio Aguiar, Flávio de Carvalho, Bernardo Kucinski, Sérgio Buarque de Gusmão, Francisco Marsiglia etc… Com depoimentos e com arquivos ainda mantidos.

Conforme o autor, vinte e um mil leitores compraram o primeiro jornal, em julho de 1975. Na capa, Cena Brasileira – SUBÚRBIO CARIOCA, com a assinatura de Aguinaldo Silva; e abaixo, HISTÓRIAS BRASILEIRAS, tão reais quanto a sensibilidade e o talento de Hermilo Borba Filho e Moacyr Scliar. Já mutilado pela censura – “Adquiri-lo era uma tomada de posição e um ato de apoio”, no dizer de Azevedo.  

A censura fora precedida pela visita de “um cara meio gordo” que pedira licença para entrar na redação. “Já entrou, né?” – responde Flávio Aguiar. Raimundo Pereira, chamado pelo telefone, chega às pressas.

– Como é que vocês vão censurar uma coisa que ainda não saiu?

“Mas não teve jeito”, diz Sérgio Gusmão. No parecer  de Azevedo – “A censura era o sinal de que o governo não o subestimou.” A primeira tesourada da censura tira de cena quatro propostas de capa, 18 matérias inteiras, oito fotografias, dez ilustrações e doze charges. A reportagem de Aguinaldo Silva narra um quebra-quebra na Central do Brasil, por conta dos atrasos dos trens.

O fim da censura ocorre em junho de l978. Antônio Carlos Queiroz, correspondente em Brasília, recebera a notícia por telefone. Liga para São Paulo para dar a boa nova. Os telefones entram em pane. Ele diz que usou o telefone do vizinho, uma sala dos Alcoólicos Anônimos. Na hora do almoço, encontra-se com as funcionárias da censura e lhes pergunta – “O que vocês estão fazendo? Não tem mais trabalho?” Ao que ouve – “… Mandaram a gente para outro canto.”

O que não impediria a apreensão da edição 171, de novembro daquele ano. A  charge de capa traz uma urna eleitoral sobre um cavalo; quatro patas e um par de óculos sobram nos lados. Com a apreensão, o prejuízo ascende a 100 mil reais, na moeda de hoje. Na audiência em que Tonico Ferreira é ouvido na Justiça Militar, o procurador Vaillati inquire – “Se não é o general Figueiredo que está ali embaixo dessa urna, quem é?” Risos no Conselho Permanente de Justiça.

Ferreira tem em sua defesa o senador Paulo Brossard apontando corrução no governo, afirmando ser o Pacote de Abril “um roubo”; Barbosa Lima Sobrinho ensina sobre imprensa livre; e o jornalista Evandro Paranaguá reafirma as cisões no Exército. Ferreira livra-se do processo com a anistia.

Raimundo Pereira, sabe-se agora, tornara-se amigo de Santo Dias, metalúrgico e membro do Movimento do Custo de Vida, morto pela polícia; no final de 1979. Dias, assíduo frequentador da redação. Nas greves operárias do ABC, Pereira entrevista 50 operários e reúne-se com a comissão de fábrica da Caterpillar.
           
MOVIMENTO viveu seis anos, teve conquistas e sofreu cisões; a mais famosa é a que gerou outro jornal, o EM TEMPO, de curta duração. Até o trauma da demissão voluntária dos funcionários da sucursal de Belo Horizonte, com Luiz Bernardes à frente. Seu fim fez chorar Márcio Bueno, da sucursal do Rio de Janeiro. “Eu chorava feito um menino”, diz o próprio. Fechou, conforme Pereira, por causa dos atentados a bomba nas bancas que o vendiam. “Os atentados criaram um desequilíbrio súbito e profundo nas receitas da empresa”, explica.

Parabéns, Carlos Azevedo. O livro se presta a um épico cinematográfico.

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