Democracia é Democracia

A toda hora, vemos nos meios de comunicação devaneios sobre o futuro dos regimes resultantes da chamada “primavera árabe” e de todo o Oriente Médio. Muitos falam que o caminho seria uma tal “democracia ocidental”, um gênero de regime obviamente inventado.

Toda a literatura a respeito do assunto imputa o conceito de Democracia ao filósofo grego Aristóteles. Na concepção clássica, é o governo do povo, de todos os cidadãos, que, passando pela Roma Antiga e pela Idade Média, veio bater na estrutura republicana hoje em vigor no mundo todo.

As eleições na Tunísia e no Egito já nos deram algumas pistas do futuro. Mas ainda é muito pouco. Persiste o risco de surgirem, por exemplo, Estados religiosos, como Israel e Irã, que podem até fingir de democráticos, mas ferem um princípio básico da Democracia, que é o da igualdade dos indivíduos, independente de raça, religião, gênero ou condição econômica.

Por mais que os estudiosos e as enciclopédias criem adjetivos para diferenciar as democracias do mundo, o princípio básico de todas é este, da igualdade. Em determinismo religioso, nem pensar.

No Século 18, a Revolução Francesa distanciou em definitivo a igreja católica do Estado, estabelecendo a liberdade dos cidadãos de terem seus credos e vontades, respeitados os dos outros, com o lema “liberdade, igualdade e fraternidade”.

Era o fim do obscurantismo medieval, surgindo o Estado laico. Mas não pôs fim à monarquia, aristocracia e outras formas de governo de alguns para poucos. Afinal, ninguém sabe, por exemplo, quem elegeu a Rainha da Grã-Bretanha, ou da Inglaterra, como é conhecida.

É diferente dos regimes socialistas, como os de Cuba e Vietnã, que são da maioria contra poucos, frutos de embates revolucionários, eliminando a dominação de classes, ou seja, dos donos do dinheiro sobre os demais. Mas, ainda assim, não são de todos. A China, que durante décadas esteve nesse grupo, agora já mistura o capitalismo ao regime antigo. O poder econômico voltou.

O que Karl Marx fez, em sua exuberante obra, foi destrinchar o capitalismo, mostrando a dominação dos donos do dinheiro, a burguesia, sobre os demais. Ele pregava a igualdade, mas nunca prescreveu receita de como chegar lá. O caminho, a gente é que traça.

No Oriente Médio, ainda há exemplos de monarquia. A da Arábia Saudita é a mais poderosa, até porque tem o apoio dos Estados Unidos e países europeus, e muito petróleo. O islamismo é seu norte religioso, mas quem manda mesmo é o monarca, o imperialismo e muita grana.

Os casos de Israel e do Irã são diferentes. São governos eleitos pelo povo, mas subordinados a Estados religiosos. Que um governo tenha matiz religiosa, tudo bem. Cabe no conceito de Democracia. Mas o Estado, não. E aí é que entra o conceito clássico de regime democrático.

Perto de 25% da população de Israel, de 7,5 milhões de habitante, é árabe. E uma parte desses árabes israelenses nem é muçulmana, é católica. Por que essas pessoas têm que se submeter a um Estado judaico? Além do mais, boa parte dos “judeus” de Israel não professa o judaísmo. E em ambas as comunidades há grande número de ateus.

No Irã, com população quase dez vezes maior, a monarquia foi derrubada em 1979. Mas foi substituída por um Estado religioso, muçulmano. Segundo os censos oficiais, 89% da população se dizem muçulmanos. Mas, este é um dado duvidoso, pois, como em Israel, o autoritarismo estatal é grande, e nas entrevistas as pessoas, por temor, tendem a professar a religião oficial.

Há, ainda, as questões tribais, muito fortes no Oriente Médio e em todo o resto da África. Na Líbia, por exemplo, onde ocorreu a invasão dos EUA e aliados da OTAN, com o frio assassinato do então presidente Annuar Kaddafi, são mais de 30 tribos. Várias delas de beduínos nômades.

O que poderá manter essa gente unida é a força das armas ou a imposição religiosa, embora o próprio islamismo, ali, tenha matizes diferentes de região para região. O governo (ou junta militar) que assumiu um certo poder após a guerra, ainda não disse claramente a que veio, mas pelo jeito vai adotar os dois métodos.

Ou seja, mesmo que inventem nomes para esses regimes, não adianta fugir dos fatos. Por mais utópico que pareça, democracia é democracia, e pronto.

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