O Soldado Israelense

O governo de Israel não prega prego sem estopa. A troca de 1.026 prisioneiros políticos palestinos por um soldado israelense que era mantido refém pelo Hamas há cinco anos tem significados muito mais amplos do que um gesto de boa vizinhança.

É certo que a família do soldado Galid Shalit fez uma longa e competente campanha que comoveu o povo de Israel. Por exemplo, alugou uma loja ao lado da residência oficial do primeiro-ministro para fazer propaganda (camisetas, faixas, folhetos, bandeiras etc.) e com um placar anunciando cada novo dia de prisão do filho. Mas esse é um aspecto local.

Há, contudo, os outros lados da questão. O Hamas é tido como uma corrente político-militar radical, anti-sionista e que surgiu, em meados da década de 1980, pregando a volta à chamada Palestina histórica. Ou seja, aquela de antes da criação do estado de Israel, em 1947.

Surgiu, pois, com uma postura muçulmana, mais sectária do que o Fatah, da Organização de Libertação da Palestina, então liderada pelo legendário Yasser Arafat. Mas sempre atuou na área social, mantendo escolas, creches, hospitais e outros serviços de cunho social, especialmente em Gaza.

Como quase todas as organizações armadas, o Hamas tem seu braço político. O exemplo clássico desse tipo de estrutura é o do IRA, na Irlanda do Norte, que sempre manteve o Sinn Fein, um partido político normal. Hoje, neste caso, a luta armada está suspensa.

Mas, para suas ações sociais, o Hamas sempre teve apoio financeiro internacional, inclusive dos Estados Unidos e, o que pode parecer mais estranho ainda, de Israel. E apoio político também. É conhecida a ligação dessa organização palestina com o Mossad, o serviço secreto de Israel.

Mas, mesmo assim, o discurso do Hamas sempre se manteve anti-sionista e anti-semita. É certo que, logo depois de vencer as eleições parlamentares palestinas, em janeiro de 2006, o líder da organização, Khalid Mashal, fez um pronunciamento aceitando a posição do Fatah de um estado palestino nos limites anteriores à Guerra dos Seis Dias, de 1967. Mas ficou no discurso.

Do início dos anos 90 até 2005, o Hamas fez inúmeras ações militares em territórios ocupados, inclusive com ataques suicidas de homens-bombas contra populações civis. E essas investidas geraram contra-ofensivas de Israel, ocupando mais e mais territórios e posições políticas. Umas pareciam justificar as outras.

Essas ações armadas foram reduzidas a partir de 2006. Mas, ao mesmo tempo, o Hamas arrefeceu suas divergências com o Fatah, por ter maioria no parlamento. Com isso, acabou perdendo os espaços que tinha no governo, que é a Autoridade Palestina, reconhecida internacionalmente como representante daquele povo e controlada pelo Fatah.

O fato é que, quando o presidente da Autoridade, Hahmoud Assad, apresentou nas Nações Unidas (ONU) o pedido de reconhecimento do estado Palestino, há algumas semanas, Israel resolveu agir.

E aí é que entra o aspecto mais significativo da troca de presos políticos pelo soldado Galid.

É bem lembrar que Israel está libertando apenas 1/6 dos 6500 palestinos que mantém como presos políticos, numa grave violação dos direitos humanos. E ainda assim com a exigência de que boa parte deles não fique em territórios palestinos. Devem seguir como exilados para outros países.

O sentido da ação de Israel, apesar de todos aplaudirmos a soltura de presos políticos, é colocar o Hamas num estágio igualável à Autoridade Palestina e, assim, tentar uma divisão da luta pelo estado da Palestina.

É tentar que a comunidade internacional, que apóia com esmagadora maioria o pleito palestino na ONU, venha a titubear na votação. Mas é ledo engano, porque isso tudo que eu escrevo aqui é do conhecimento dos governos do mundo inteiro, a começar pelo do Brasil.

É claro que vem a pergunta: mas, então, como vai sair um estado Palestino dividido? Simples: o que a Autoridade Palestina propõe é a criação de um estado democrático. Cabe o Hamas nele.

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