Infame Entrega de Olga Benário e Sabo ao Nazismo

Em abril de 1935, clandestinamente, Luiz Carlos Prestes e Olga Benário chegaram ao Brasil. Ele com o passaporte em nome de Antônio Villar e ela, como sua mulher, chamando-se Maria Bergner Villar. Na mesma época, ingressaram no País os argentinos Rodolfo e Carmen Ghioldi, os alemães Arthur Ernst e Elise Saborowski Ewert, o belga Leon Julles Vallé e o norte-americano Victor Allan Baron, entre outros, todos integrantes da III Internacional Comunista (IC), todos para apoiar e construir o movimento revolucionário em curso.

A influência da Internacional na Aliança Nacional Libertadora (ANL), a frente antifascista, antiimperialista e anti-latifundiária criada no início do ano, logo se faria sentir. Como demonstra a historiadora Anita Prestes, por sugestão da IC, Prestes lançou a palavra de ordem do Governo Nacional Popular Revolucionário, conquistando a adesão da ANL e de seus seguidores.[1] Porém, a direção do Partido Comunista do Brasil  (PCB) que se mantivera fiel à tese de “poder soviético”, só na segunda metade de maio, após a realização do pleno do Comitê Central do Partido, passou a seguir a nova orientação da IC para a formação das frentes populares.

Decretada a ilegalidade da ANL pelo Presidente Getúlio Vargas, em 11 de julho, a decisão do PCB foi construir a Insurreição Nacional-Libertadora de 1935. Este processo já é bastante conhecido: o levante ocorrido em novembro de 1935 fracassou, desencadeando um violento processo de repressão, de prisões e de exílios dos que integraram a ANL, perseguidos pelos Estados de Sítio e de Guerra, pela criação do Tribunal de Segurança Nacional (TSN) e da Comissão Nacional de Repressão ao Comunismo (CNRC). Em decorrência da intensa perseguição policial, Prestes e Olga foram presos em 5 de março do ano seguinte.  Logo, começaram as mobilizações nacionais e internacionais para a liberdade do casal.

Cerca de 75 anos atrás, a União Feminina do Brasil (UFB), criada na esteira da ANL, enviou carta para Darci Vargas, a mulher de Getúlio.[2] A missiva pedia para que intercedesse contra a possível deportação de Olga Benário, então grávida de sete meses de Anita Leocádia Prestes. Olga, judia e comunista, sendo entregue ao governo nazista, correria grande risco de vida. Naquele momento, também eram ameaçadas de deportação a alemã Elise Saborowski, a Sabo, e a argentina Carmen Ghioldi, incursas no artigo 15 da Lei de Segurança Nacional (LSN) pela participação na Insurreição Comunista de 1935. O artigo 15 da LSN estabelecia que a União poderia expulsar do território nacional os estrangeiros “perigosos à ordem pública ou nocivos aos interesses do País”.

Mas a deportação das militantes estrangeiras já estava praticamente decidida pelo governo, de tal forma que, Heitor Lima, professor de Direito da Universidade do Brasil, foi constituído advogado de Olga Benário para a sua defesa. Lima se encontrava regularmente com o advogado e delegado Bellens Porto, responsável pelo inquérito dos acontecimentos de novembro de 1935, e com o capitão e delegado de Segurança Política e Social, Miranda Corrêa.

Ainda em 17 de julho, Heitor Lima havia escrito carta para Filinto Müller, reclamando do “ranço da bacharelice” de Bellens Porto, o qual impedia que recursos financeiros chegassem até ela para auxílio de sua alimentação e ao próprio advogado para a defesa.[3]

Hermes Lima também escrevera para Darci Vargas, em 18 de junho, solicitando para a mulher de Vargas que ela poderia ser “apta a perceber os problemas femininos”, devido “aos sentimentos maternais da primeira dama da sociedade brasileira”, interferindo na intermediação, junto ao Presidente da República, para chegar até Olga uma passagem de primeira classe, a fim de que a sua cliente pudesse cercar-se “durante a travessia e no porto de desembarque, dos cuidados exigidos pelo seu delicadíssimo estado de saúde”, preservando assim a vida do filho que iria nascer. Nem Hermes Lima tinha dimensão do perigo de vida que Olga corria.

Esta carta, definitivamente, derruba a tese de que Getúlio Vargas não sabia da deportação de Olga e da sua entrega a Gestapo. [4] Entretanto, em 23 de setembro de 1936, na calada da noite, Olga Benário e Sabo foram embarcadas em navio com destino às prisões da Gestapo, em Berlim, vindo a morrer em campo de concentração, em 1942, enquanto Prestes somente foi libertado em 1945.

75 anos depois, os revolucionários do mundo continuam prestando homenagens a Olga Benário, a Elise Saborowski e a todas as mulheres que deram suas vidas pelo socialismo. Não fosse a infame entrega das duas ao nazismo, como a de Luiz Carlos Prestes, suas trajetórias poderiam ter tido vida longa no também longo século XX brasileiro.

* Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação e do Departamento de História da UFSM, Doutor em História Social do Trabalho pela UNICAMP. 

Notas

[1] PRESTES, Anita Leocádia. Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional Libertadora. Os caminhos da luta antifascista no Brasil (1934/1935). Petrópolis: Vozes, 1997, p. 110-1.

[2] Cf. Arquivo Flores da Cunha, FC 32.00.00 – Situação Política Nacional – 1935 a 1937, doc. II-29, CPDOC/FGV.

[3] Cf. Arquivo Filinto Müller, FM 33.03.23, 1933 a 1939 – Presos e Instituições Penitenciárias, doc. I-69, CPDOC/FGV.

[4] Ver a carta no Arquivo Getúlio Vargas, GV 36.06.18. doc. XXII-11, Rolo 4, CPDOC/FGV.

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